sexta-feira, 1 de novembro de 2013

#Samanta, 1


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Quando minha mãe perguntava porque afinal eu queria botar silicone no peito, respondia que era pra ficar gostosa, a pura verdade. Não que eu já não fosse uma baita gostosa. Nasci com um belo par de coxas. Grossas, firmes, duas belas lapas de carne que vão dar num quadril largo. Do umbigo pra baixo, já vim ao mundo perfeita. Não é toda mulher que tem perna grossa assim. Sou rabuda por natureza. Sempre tive um orgulho enorme da minha bunda e não foram poucas as vezes que a esfreguei no pau duro de um cara, deixando ele sentir aquele latifúndio de carne indo e voltando, rebolando na vara dura.

Era verdade, eu queria ficar mais tesuda. “Mas por que?” ela perguntava, desolada, “você já tem peitos grandes, já é gostosa, já deixa louco todo homem que te vê, pra que isso?” Por que seria? “Pra ficar mais gostosa, porra!” É simples, eu estava insatisfeita, queria mais, queria ficar maior. Era um sentimento perfeitamente compreensível! Quando eike batista ganhou o seu primeiro milhão, o que ele fez? Foi atrás do segundo, do terceiro, do centésimo. Depois que os Beatles gravaram o sargent peppers, por acaso eles sentaram e disseram “bem, revolucionamos a música pop do século vinte, melhor parar por aqui”? Não! Eles foram lá e fizeram a porra do abbey road! Depois o disco branco!Alexandre saiu da Macedônia pra dar uma voltinha pela Pérsia e chegou até a Índia. Por que? Por que esses ilustres conquistadores não se conformaram com o que eles já tinham? Por que não ficar quietinho no seu canto, devidamente realizado?

Até porque essa senhora que vem a ser a minha mãe é uma madame bem de vida, que vive de renda, extorquindo dois ex-maridos milionários. Viu? Ela casou com um milionário e, não satisfeita, depois entrou de véu e grinalda pra ser ungida pela benção do sagrado matrimônio com outro mais rico ainda (sou filha do primeiro casamento e vejo meu pai tipo copa do mundo, de quatro em quatro anos). Por acaso eu ficava perguntando pra ela “por que você casou de novo?”, como ela ficava me perturbando com a história do “por que ficar mais gostosa”? Por acaso eu abria a boca pra falar um “a” sobre o abacaxi que ela carregava pra cima e pra baixo, e que no auge da inocência chamava de “penteado”? Fazia ilações sobre seu estado semi-vegetativo de “madame”?

Até porque eu tinha vinte e cinco anos, e nunca havia trabalhado.

Eu poderia pensar em milhões de outros motivos. Mas será que só a minha vontade não era o bastante? Ela alegava que poderia “fazer mal à saúde”, e eu ria da cara dela. Por acaso ela sabia quantas mulheres andavam com silicone pra cima e pra baixo, trabalhando, amamentando, levando uma vida perfeitamente normal? Se ela dizia que eu podia me arrepender, logo replicava que silicone não é como tatuagem, silicone a gente tira na hora que quiser! É só uma meleca que eles botam dentro do nosso peito, um procedimento ultra-seguro, e vai que eu não gostasse? Vai quer ficasse feio? Eu tirava, simples assim.

E com a paciência de um monge explicava pra ela porque eu queria botar o silicone, mas é claro que a verdadeira razão não contava, nem pra ela nem pra ninguém, era um segredo meu comigo mesma, que seria revelado na hora certa. Tinha a ver com um polonês que havia conhecido em londres, seis meses antes, quando estava passando uma temporada. Ele gostava de peitões, e eu gostava dele, por isso me parecia natural que eu ficasse peituda e voltasse à londres pra procurá-lo. Já imaginava a cena na cabeça, a cara que ele faria quando visse meus dois novos melões, a reação que teria quando pegasse neles, quando esfregasse a rola no meio deles.

Se tento me lembrar agora os motivos pelos quais me apaixonei por aquela criatura, o problema não é que não pense em nada razoável, a grande merda é que não faz sentido, nenhum, zero. Não foi simplesmente irracional, foi estúpido, grosseiro, o tipo de idéia absurda que na hora parece extraordinária, mas depois se revela apenas extraordinariamente idiota. Não sei o que havia de tão excêntrico em namorar um polonês contrabandista, mas na época me parecia o paroxismo do estilo. Minhas amigas namorando funcionários do ministério público, professores universitários, gerentes de banco, e eu enrolada com um traficante polonês.

Eu o havia conhecido numa balada multicultural num subúrbio. Uma galera se drogando na sala, uns trepando nos quartos, e eu lá doidona no meio da fuzaca, achando tudo lindo. Fui na cozinha pegar uma cerveja e lá estava o miro, com uma tequila na mão, conversando com um motoqueiro careca. Na hora ele me pareceu, sei lá, tão homem. O braço grosso, sabe? O cavanhaque, o estilo meio metaleiro-perigoso-do-leste-europeu, a tatuagem que se alastrava pelo pescoço, os anéis de caveira e principalmente, mais do que tudo, uma camiseta do cream, com o Eric Clapton tocando guitarra com cara de quem está gozando e umas firulas coloridas e psicodélicas em volta dele.

Bati o olho nele, ele bateu o olho em mim. A cozinha era um pouco apertada, de modo que dei um hello e passei por ele, esfregando a grande e linda bunda que deus me deu, pra chegar até a geladeira. Juro que nesses três segundos de contato percebi que o pau dele estava duro e que me comia com os olhos. Enquanto eu delicadamente, sem pressa nenhuma, pegava a minha cerveja, fui escutando o papo que ele batia o motoqueiro. Ele dizia algo sobre peitos grandes. Sobre como adorava mulher peituda, como amava enfiar a cara no meio deles (os peitos), como delirava quando metia a rola neles, quando passava a cabeça do pau pelos mamilos. Sobre como achava excitante uma mulher com um belo par de tetas e um decote imenso, com aquela carne toda pulando pra fora.

“Eu gosto de bunda, adoro pernas (i love legs)”, lembro até hoje aquele filho da puta dizer, “mas o que me deixa louco, meu feitiche, são mesmo as tetas, grandes, lindas, tetas rosadas, com mamilos duros.” E enquanto ele dizia isso comecei a me sentir a pior das criaturas, porque eu tinha belos peitos, mas não tão grandes, não como ele estava descrevendo, e isso me enfureceu (perdão, sou irracional), e nesse segundo tive o esclarecimento de botar silicone, de caçar esse polonês de merda por todos os buracos de londres até encontrar e dizer “olha aqui, você não gosta de peitão? desse tamanho tá bom pra você?” e depois enfiar na cara dele, até sufocar.


Demorou, mas consegui convencer a velha a bancar a minha pequena extravagância. A verdade é que depois do procedimento realizado ela ficou olhando com inveja pras minhas tetas e até cogitou botar também. “Não falei como é uma coisa banal? Olha, depois de duas semanas já sumiram as cicatrizes.” Meu corpo se adaptou bem ao silicone, nenhum tipo de rejeição, de alergia. Depois de fazer a pesquisa, conversar com o cirurgião e acertar a forma de pagamento, no dia da cirurgia fiquei com um pouco de medo, um pezinho atrás. Claro que escolhi o melhor silicone do mercado. Óbvio que o profissional responsável pelo enxerto (dr. lima) era competente e reconhecido entre as madames de Brasília como o mais preparado na área, responsável pelos peitos e bundas de algumas famosas e celebridades. Mas hospital é sempre hospital, um lugarzinho que não me agrada em nada. No dia, na ante-sala do centro cirúrgico achei tudo tão limpinho, tão profissional. Uma enfermeira com uma prancheta chamou meu nome: “Samanta Silveira.” O dr. lima, todo de branco, já com máscara, brincava, tentando me acalmar: “então é hoje que a gente vai turbinar essa loiraça. Ah, se eu não fosse casado.”

Deitei. Ele falou mais algumas asneiras pra me acalmar e de repente estava me aplicando uma anestesia local. Conseguia mexer a cabeça, lembro de sentir até uma coceira na orelha. Também sentia as pernas e as mãos. Mas quando ele pegava na minha barriga, nos meus peitos, não sentia nada. Comecei a pensar se não devia ter escolhido a anestesia geral. Será que ia demorar? Plenamente consciente, vi ele pegar o bisturi e fazer a incisão perto do sovaco. Fazia isso como se estivesse cortando uma peça de picanha pro churrasco de domingo, conversando com a enfermeira sobre a agenda do dia seguinte e sobre como precisava sair mais cedo pra ver o jogo do seu time, que estava na semi-final de um campeonato. Pegou então as próteses de silicone, de trezentos mililitros cada uma. Eram gelatinosas, translúcidas, fascinantes melecas derivadas do petróleo. Cada uma parecia um enorme pão de queijo de plasma. Pensei em me arrepender, mas não deu tempo. Foi bem mais rápido e simples que imaginava. Depois da cirurgia me deram um sedativo e dormi por dez horas seguidas.

Sonhei que estava em londres, rodando pelos pubs, os estúdios de tatuagem, as confrarias de motoqueiros, os shows de rock, todos os lugares onde miro pudesse estar. Num beco da South Bank, um sujeito disse que o conhecia e que me diria onde estava, desde que eu fizesse uma coisinha rápida ali no beco. Eu tinha acabado de botar o silicone, mas já estava tão adaptada a ele que no próprio sonho já era peituda. “Fazer o que?” perguntei, “esfregar o meu peito na sua rola?” “Também” ele disse, “mas depois quero que você chupe ela toda até tomar todo meu suco de porra, fazendo cara de quero-mais.” Abri a zíper dele e peguei a rola. Fiquei de joelho, tirei os peitos do vestido e comecei a esfregar. Abocanhei e chupei como uma desesperada, até que ele começou a gozar na minha boca. Nessa hora percebi que havia uns trinta homens no beco, todos com os paus pra fora, todos vindo pra cima de mim. Eu tinha uma rola em cada mão, duas na boca, e de repente todos estavam me comendo, dezenas de caralhos pra cima de mim, e então uma chuva imensa de porra, milhões de litro de esperma no meu corpo, na minha cara, na minha boca, toda lambuzada e melecada. Depois estava jogada no beco. Vinham uns cachorros e começavam a lamber toda a porra que espalhada nos meus peitos. Era gostoso. A língua deles nos meus mamilos, as belas lambidas na barriga, na xoxota e no corpo inteiro. Será que esse tesão todo era por causa do silicone? Será que era alguma espécie de afrodisíaco? Sim, porque nesse dia acordei com a calcinha encharcada! Gozei como uma condenada enquanto dormia. Fiquei morrendo de vergonha quando acordei e estava todo mundo no quarto: mãe, irmão, tia, enfermeira, o diabo.

Fui ao banheiro trocar de calcinha, ainda com uns fiapos de sonho despencando. Sabia que depois da orgia com os trinta homens e com os cachorros estava deitada na sarjeta, suja e largada, quando miro passava e me resgatava. Como um cavalheiro perguntava se eu estava bem, se precisava de ajuda, mas enquanto dizia isso não conseguia tirar os olhos dos meus peitos. Era como se olhasse a Pedra Filosofal dos Mestres Tibetanos ou o Graal Metafísico dos Templários. Com a boca aberta, babando, começava a apalpá-los. “São tão macios”, ele dizia. “Tão grandes, tão...”

“São pra você” respondia sorrindo.

Duas semanas depois, voltei ao dr. lima pra tirar os pontos. Depois de um período de recolhimento, estava pronta. Duas semanas de repouso, muitos discos de rock – inglês - e algumas doses de marguerita. Foi rápido e não doeu nada. Finalmente saí com duas amigas pra um samba no calaf. Percebi que os vestidinhos que antes batiam no meio da coxa subiam dois ou três centímetros, porque agora seguravam mais volume lá em cima. Dancei bêbada no meio da bagunça, jogando os cabelos de um lado pro outro, fazendo cara de vagaba. Peguei um negão e fui dar um amasso com ele lá atrás. Ele pegava na minha bunda, nos peitos, enchia as mãos de carne, apertava, mordia. Doía. Era bom. Fiquei de joelhos e tirei o caralho dele pra fora. Era imenso, um dos maiores já que já tinha visto na vida, com uma cabeça vermelha imensa. Enfiei tudo na boca.

Em casa ficava horas me olhando na frente do espelho, experimentando todas as roupas, os vestidos, as blusas, os terninhos, e todos serviam perfeitamente, parecia que já tinha nascido com aquele corpo. Agora sim meu peito era proporcional à minha bunda, agora eu era uma gostosa mesmo, agora os homens ficariam ainda mais loucos pensando em mim, bateriam punheta pensando no meu corpo, no meu rego, na minha lapa de bunda empinada de quatro.

Agora meu próximo objetivo era convencer à velha a bancar minha aventura em londres, o que não seria fácil.

“Só a porra da passagem que eu me viro lá!”

“Igual da última vez? Quando você passou três meses estourando o meu cartão de crédito, gastando só com noitadas e bebedeiras?”

“Eu trabalhei num bar!”

“Samanta, você acha que dinheiro nasce em árvore?”

Ah meu deus, eram sempre as mesmas metaforazinhas baratas, frases feitas que deve ter aprendido a macaquear na era mesosóica! “Você acha que dinheiro nasce em árvore?” “Você quer que eu tire vinte mil reais da cartola, é isso?” ou quando mais exaltada “você por acaso acha que eu cago dinheiro?”

O que mais me revoltava era essa situação de “classe média alta”, de gente que quer mas não pode, mil vezes antes ser uma favelada, uma pobre duma empregada doméstica que passa os dias lavando as cuecas e fritando os bifes dos outros, ser uma maldita empacotadeira no pão de açúcar e contar os centavos pra pegar o ônibus de volta pra casa e comprar um saco de feijão pra alimentar quinze filhos com lombriga e hanseníase, não me incomodaria nada nada de ser uma puta barata e cobrar cinqüenta reais por um boquete em algum estacionamento da asa norte e beber a porra dos velhos broxas do plano piloto entupidos de viagra, ou quem sabe apenas uma “classe média média”, uma infeliz de uma professora primária ou uma funcionária pública que guarda “as sobras” na poupança pra pagar o IPVA do carro e viajar nas férias pro guarujá, ficar fritando ao sol comendo camarões secos e tomando caipirinha, quiçá uma “acadêmica” que passa vinte anos da vida fazendo mestrado, doutorado e pós-doutorado em literatura aplicada pra ser a autora de uma tese sobre a “morte da autoria na contemporaneidade”, qualquer merda por mais sórdida e medíocre era mais autêntica do que essa farsa constrangedora que era pertencer à quase elite, ser quase rica, morar numa casa alugada no lago norte, dirigir o carro do ano passado, comprar roupas de marca durante as liquidações, se acotovelando na loja com duzentas quase ricas histéricas e se jogando em cima do último modelo da melissa como se fosse A Última Coca Cola do Deserto, como tudo isso era hediondo, me embrulhava o estômago, me deixava puta da vida. Eu que só queria passar uns meses em londres, será que era pedir demais que ela pensasse um segundo que fosse sobre minhas realizações espirituais e existenciais, será que era tão difícil entender que brasília era uma cidade provinciana e que se passasse só mais um ano aqui morreria de tédio? Será que não percebia que eu era o exato tipo de pessoa desequilibrada que poderia fazer uma loucura tipo cometer suicídio ou me viciar em crack pra encher esse vazio dentro da minha alma e do meu estômago?

“Por que londres? Por que você não vai passar uns tempos em são paulo com a sua prima juliana? Por que não faz uma faculdade ou arruma um emprego lá se tudo aqui é tão horrível?”

“Claro, vou dividir uma quitinete com aquela crente maluca que só fala de jesus e vou virar atendente de telemarketing, que destino formidável!”

Mas, como? Em que língua explicar praquela criatura a força magnética que me arrastava pra inglaterra? Qual seria a probabilidade de ela tolerar os meus motivos mais inconfessáveis, que por sinal até eu mal compreendia? Afinal, tinha chegado àquela idéia através de uma espécie de sonho profético.

No início, havia -

“Samanta, já falei mil vezes pra não fumar dentro de casa!”

Ah, bruaca velha insuportável! Sempre atrapalhando meus devaneios!

No início, havia um planeta habitado por aborígines, eslavos, astecas e tribos africanas que viviam num silêncio torturante, remoendo a grande catástrofe da condição humana, só ocasionalmente quebrado pelo rufar trepidante de tambores celebrando os deuses da discórdia e da incompreensão, até que os celtas imolaram um animal inocente e com suas vísceras fizeram a primeira lira, a mais pura, a mais delicada, e um semi-deus chamado orfeu – nas escrituras ortodoxas também chamado de eric clapton – foi e ficou olhando embasbacado praquele engenho extraordinário e se masturbando, até que esporrou sobre as vastas planícies de xangrilá o semem sagrado que fertilizou o solo ao som estrondoso de while my guitar gently weeps, hino atemporal dos onanistas. Um gigante furioso que estava adormecido nas cavernas do tibet desde que a última lua tinha caído sobre a terra, seis mil anos atrás, se revoltou contra atitude tão blasfema e egoísta, no que estou com ele: “Mortal, descabelaste o palhaço e derramaste sobre a terra o líquido vil do teu narcisismo, por isso teus descendentes serão trovadores solitários que espalharão pelo mundo a mensagem de que a existência é finita, gratuita e destituída de sentido, e que ninguém se redime de nada.” Miséria e discórdia grassaram entre os povos da ilha, separada do continente por um mar envenenado, e só vinte e nove séculos depois nasceu um novo profeta pra celebrar A Autonomia da Criatura Perante O Criador. Seu nome era syd barret, e esse sujeito corroído pelo ácido e pela cocaína foi o mais legítimo dos poetas ingleses, descendente direto dos aedos gregos que recitavam homero e similares. Ele ungiu a terra com suas lágrimas e contou piadas sujas na corte do rei arthur com os cavaleiros da tavola redonda, psicografou ataques histéricos de mitra nas brumas de avalon entre bruxas ninfomaníacas, acompanhou charles darwin no seu passeio pelo oceano índico fazendo observações espirituosas sobre tartaguras, golfinhos e salamandras, e colonizou os sete continentes. Ah, Inglaterra!, berço da democracia moderna e terra de jeff beck e jimmy page! Esqueci de falar que os maias, no décimo terceiro dia da criação, tinham previsto em seu calendário a invenção de um instrumento capaz de subjugar a humanidade nessa confluência astral, e não a bomba atômica ou o big mac, simplesmente a guitarra elétrica.

Contava essa lenda que um menino pelado e cabeludo chamado david gilmor passeava pelos jardins do paraíso, que por sinal fica entre a Byfleet a Waybridge, e olhava distraídos as nuvens e os transeuntes quando deu de cara, na vitrine de uma loja de instrumento musicais, com uma guitarra elétrica, e esse menino safadinho já pensou sacanagem, porque ela tinha a forma de mulher, com o quadril e os peitos e aquela silhueta e aquela curva toda, e aquele braço longo, elegante, que a gente podia pegar, passar o dedo, brincar, fazer gemer, e nesse dia a história ocidental passou por uma revolução cultural e metafísica que não se compara às descobertas de copérnico, à teoria da relatividade de einstein, à toda a dramaturgia grega, que faz parecerem irrelevantes as páginas mais heróicas e encharcadas de sangue das conquistas de Alexandre, Aníbal, Napoleão e Beethovem, e então esse garoto levado chamou outros meninos levados e fizeram um brincadeira chamada pink floyd e passaram a vender como discos rock coisas que na verdade eram orações subterrâneas, hinos à deuses perigosos e inacessíveis, evocações de entidades altamente inflamáveis como o deus da cólera, do tesão e da loucura. No verão de 65, david gilmor e syd barret estavam sentados, chapados de maconha, olhando o horizonte na esquina setentrional daquela ilha mágica. Era pleno solstício, e raios de sol encharcados de santidade banhavam esses dois seres iluminados.

Enquanto isso -

“Você fala que vai fazer curso de inglês, mas chega lá e nem dá as caras! E o pior é que eu, a burra aqui, paga tudo! E fica bebendo e fumando que nem uma louca, nada de emprego, nada de estudo, nada de porra nenhuma, você tem que acordar pra vida, Samanta, vinte e cinco anos e não terminou uma faculdade, não trabalhou em nada, fica o dia tomando banho de piscina e ouvindo música...”

“Caralho, eu já disse que vou estudar, vou fazer curso de cinema, de teatro, vou trabalhar de garçonete, quem sabe eu arrumo até um marido e você não precisa sustentar mais essa parasita, dá outra vez eu não trabalhei – quer dizer, trabalhei sim DUAS SEMANAS num pub – porque tava deslumbrada, maravilhada com tudo, mas agora vai ser diferente, a nina já falou que me arruma um...”

“Que é nina, porra?”

Era uma amiga brasileira que trabalhava num sex shop, super empenada na cocaína -

“Mãe, eu dividi um apartamento com ela, você não escuta nada que eu falo! Ela trabalha na ONU como tradutora, fala seis línguas, já me disse que me arruma um emprego lá! Me diz se não é melhor aprender outras línguas do que ficar aqui decorando lei pra passar em concurso de tribunal, pelo amor de deus, pensa! Vou lá me reciclar, fazer curso de edição de vídeo, de web desing, conhecer gente que trabalha na ONU, na UNESCO, no Banco Mundial, na União Européia, na BBC, porra! Mãe, me empresta esse dinheiro e não me faz jogar minha vida pela privada apodrecendo nessa cidade que eu detesto!”

“Samanta, você detesta até -

Enquanto isso a terra ardia. Fez-se uma grande confraria dos mestres da guitarra elétrica. Todos eles: syd barret, jeff beck, david gilmor, george harrison, jimmy page, keith richards e ercic clapton. Todos ergueram seus grandes caralhos pro céu e invocaram a divindade mais antiga, aquela que tinha feito da primeira lira um objeto transcendente e incompreensível. Tinham poderes pra aniquilar o mundo setecentas vezes, mas queriam apenas ser astros do rock, lindos, incompreendidos, charmosos, niilistas, malditos, drogados, proféticos, geniais. E assim azmodeu – pois era esse seu nome – abençoou a guitarra elétrica.

Mas azmodeu era ciumento, e queria só pra ele as enzimas proteolíticas produzidas na próstata de jhon lennon

“Não sei o que faço com você, Samanta!”

“Me despacha, porra! Me manda pra londres! Paga a minha passagem e me dá qualquer mil dólares que eu me viro!”

Claro que ambas sabíamos que provavelmente eu não arrumaria emprego nenhum e que ela teria que me sustentar, já que não ia deixar a própria filha definhar de fome do outro lado do oceano atlântico.

E azmodeu, enquanto me olhava no espelho - de frente, de perfil, de decote, de biquíni, de sutiã, pelada – dizia:

“Tenho que admitir, Samanta, que você é uma gostosa. Esse é um conceito relativo e os sábios de alexandria e os semióticos da sorbone poderiam passar vinte séculos filosofando sobre o que é e o que não é uma gostosa, aquela tem mais peito, essa tem bunda, a outra mais quadril, e tem a falsa-magra, a gordelícia, mas você é um caso raro de consenso. Não há celerado sobre a terra que não diga: gostosa. Já tinha tudo pra ser, mas com esses peitos - ”

“Não ficaram exagerados?”

“Não, e acredite na minha honestidade. Suas coxas são pilastras gregas, sua bunda uma escultura de michelangelo, mas com esses peitos novos todo o conjunto ganhou outro senso de harmonia, de proporção, de profundidade, agora as curvas do seu corpo tem coerência e leveza – leveza, sim. São peitos grandes – alguns diriam imensos – mas que são leves, porque você é leve, é uma pluma de pureza e serenidade, só o que você quer é uma vida tranqüila e um belo jato de esperma toda noite na sua cara, no seu útero, na sua pele. Posso ser sincero? Não bastasse você ser despretensiosa, bonita, simpática, uma companhia tão agradável, tão eu diria até erudita – sim, porque além de ter lido james joyce e baudelaire, você fala com propriedade dos discos de rock dos anos sessenta e setenta – os melhores, afinal – com uma naturalidade tão acachapante - ”

“É, né?”

“E sabia que eu acho poético e coerente e um pouco irônico você, que é uma mulher antenada e contemporânea, cínica a respeito das conquistas maravilhosas da civilização industrial, mas ao mesmo tempo conformada as suas conseqüências irreversíveis, você que tem cento e quinze por cento de sangue inglês, que é um excremento e uma obra-prima do capitalismo, você botar uma prótese de silicone derivada de petróleo no peito pra ficar mais gostosa, turbinada, curvilínea, aerodinâmica, uma deidade em mutação que incendeia o mundo com seus cabelos loiros e platinados ao som de black dog. Ah, Rainha do Aconcágua, Fênix de Ônix da Antuérpia, você estala e as placas tectônicas se movem, os fósseis que há milhões de anos apodrecem no leito dos oceanos vibram quando você balança as tetas.”

“É, né?”

“Sei de alguém que vai pirar e dar cambalhotas quando vir essas duas montanhas cheias de fertilidade.”

E assim fui.

Cheguei em londres num dia ensolarado. Era azmodeu me dando as boas vindas.

Sempre quis morar naquela cidade, e os três meses que havia passado no ano anterior só serviram pra me dar ainda mais vontade, mais tesão de viver lá. Minha mentezinha colonizada não parava um minuto de se embasbacar com as maravilhas e as grandiloqüências daquela metrópole.

Os pubs escuros onde se tocava musica de qualidade, os shows de rock, os personagens que a gente encontrava na rua, a maconha de qualidade, maconha hidropônica, skank, haxixie, completamente diferente daquela merda paraguaia que a gente fuma no brasil, a cerveja mais encorpada, mais gente interessante nas festas, mais vontade de cavalgar numa piroca inglesa ou numa num legítimo caralho polonês.





2

Onde estaria miro? Onde encontrá-lo?

Na primeira noite lá tive um sonho estranho. Eu morava numa grande casa com miro. Uma mansão, com jardim, piscina, quadra de tênis e pomar com flores e frutas coloridas. Estava coberta de alegria. Uma inexplicável sensação de entrega, arrebatamento, de saber que a felicidade existe e está viva, na nossa frente, uma felicidade radiante, violenta, meu deus, eu era feliz, e havia um bom motivo pra isso: miro também me amava. Desde o princípio, desde o primeiro dia em que bati os olhos nele e ele bateu os dele em mim, naquele inferninho no subúrbio, ao som de um bom e velho heavy metal, um heavy metal legítimo como não se faz hoje em dia. Morávamos juntos nessa linda casa. Mas o estranho era isso: eu estava vestida de coelhinha da playboy. No armário, trezentos trajes iguaizinhos: a cinta liga, o colarinho, as orelhas de coelhinho. Sinceramente não entendia como os homens haviam sexualizado logo os pobres dos coelhos. Era um mamífero, ok, até aí a analogia faz sentido. Mas por que não faziam por exemplo As Cavalas ou As Cachorras da Playboy? De todas as babaquices que os homens já me falaram, tem uma que eu gosto mais. Namorava com um guitarrista de uma banda bem ruizinha, que tocava cover do u2 e do jota quest, às vezes rolava um constrangimento, mas ele era bom de cama e tinha uma porra doce - era vegetariano. Ele tinha me dito, depois de ter cavalgado duas horas: “Samanta, você é uma cavala!” Foi um elogio tão gostoso! Os cavalos são tão altivos, tão elegantes, tão nobres! Adoro cavalos, adoro! Fico fascinada. Adoro montar, é uma sensação gostosa, massageia a boceta. Mas aí eu estava casada com ele. E só tinha os modelitos da playboy. Era dona de casa. Ele trabalhava em wall strett, mas morava naquele lugar que era o nosso lar, um lugar totalmente remoto, desconhecido, só meu e dele. O bonitão do miro sempre de terno. Chega em nossa casa cansado. Deita no sofá, liga a televisão e toma uma dose de uísque. Diz que a bolsa caiu cem pontos, que está estafado. Eu boto um disco na vitrola. É um bom e velho rock. Ele diz, saudoso: “Ah, adoro essa música.”

De repente percebo que estou faminta. Miro tira a rola para fora e se masturba, vendo pornografia na televisão. Eu assisto, revoltava. Era pra essa porra ser minha. Quando está prestes a gozar, pega uma tigelinha que estava em cima do sofá, uma dessas tigelinhas em que dão comida pra gatos e cachorros, e goza nela toda, ejacula meio litro de porra, depois deixa a tigelinha num canto e vou beber, de quatro. Percebo que todo dia é a mesma coisa. Ele chega em casa e bota minha janta na tigela. Mas por que não dentro de mim? Por que não me engravida? Tento conversar com ele, mas não consigo, não saem as porras das palavras, tudo trava na garganta. Só consigo miar. Sou uma coelhinha que mia. Esse sonho tá uma merda, quero acabar com isso, começou a excitante mas agora tá uma bosta, mas o sonho não acabava. Estava cansada da viagem e dormi por horas. Mais de dez horas. Quando achava que o sonho estava terminando, começava de novo: miro chegava do trabalho ao entardecer, se masturbava vendo pornografia e gozava na tigelinha. Eu implorava pra ele me dar na boca, mas ele não dava, estava me torturando. O pior é que quanto mais porra eu bebia, mais eu queria. Mas ele não me amava mais. Amava as estrelas da pornografia. Miro não é um homem de muitos conhecimentos – fora traficar haxixe do oriente médio pra europa – mas de pornografia entendia tudo. Freqüentava os sites das atrizes. Era apaixonado por várias delas. Tinha posters pendurados no quarto. Uma vez encontrou sasha grey num pub e trocou duas palavras com ela. Foi seu assunto por mais de dez anos. Nas rodas, se conversava sobre a taxa de juros, a culinária tailandesa, a lingüística deleuziana, o show do pink floyd em pompéia, e ele pedia silêncio, fazia um suspense e contava: “Encontrei sasha grey num pub. Sabe, um desses milhares de pubs de londres, com o balcão, o barril cerveja, as mesas de madeira espalhadas. Juro que a princípio nem a reconheci. Sabe a sasha grey, avatar da indústria pornográfica, pin-up escatológica e seviciada” – meu deus, de onde ele tirava essas merdas? – “do século vinte e três? Não é linda? É o que sempre digo, acabou a era das atrizes pornôs feias. Agora são todas lindas, algumas até intelectuais, mulheres emancipadas e limpinhas que, não se enganem, cuidam super bem da higiene e da saúde. Sabia que investir em pornografia é a forma mais óbvia de ganhar dinheiro?”

Eu odiava tudo que ele falava, mas suportava, porque o amava. Era uma coelhinha conformada. Só me dá seu leitinho, eu dizia, senão morro de fome, senão vou definhar e ficar magrinha, magrinha. E você quer que eu fique gostosa. E ele dizia: cala a boca, Samanta. E eu dizia: calo, mas só me dá mais um pouquinho de porra, juro que tomo todo o leitinho e vou dormir, mas se quiser pode me acordar que não me importo, pode me bater inclusive, não que me espancar? E ele dizia: me poupe, Samanta, tem coisa mais interessante pra fazer do que ficar dando porrada na sua boca. E eu: mas você pode usar um martelo, quebrar meus dentes, serrar minhas pernas. E ele: vai encher o saco de outro, Samanta, se enxerga, e assim por diante, um sonho maldito, maldito, que quero esquecer pra sempre.


A idéia era ficar por uns tempos na casa de nina, a que trabalhava num sex shop e cheirava cocaína. O que eu mais queria era sair pra procurar o miro, mas primeiro fui almoçar com ela.

“Todo tipo de rola. Fina, grossa, média, encorpada, cabeçuda, torta, gigante, de trinta centímetros, quarenta, rola com duas cabeças, rola estilo taco-de-beisebol, rola sintética de plástico, de vinil, de alumínio, rola elétrica, rola de borracha, rola com material que simula a carne humana, rola comestível de chocolate, geléia, rola com recheio de marshmalow, rola de todo o tipo, e xota também, uma xoxotas igualzinho xoxota de verdade, incrível, com cabelinho e tudo, e as pessoas que vão lá comprar não são casais discretos e receosos, viados cheios de dedos, não, entra lá família, pessoal do trabalho, até padre entra e fica olhando e ninguém fala nada, aqui não tem nada a ver com o brasil, a putaria ta em todo lugar, e tem as coleções de filmes pornôs, mil sessões, mil categorias, sexo anal, grupal, gang-bang, strep-tease, tem a sessão bundas-grandes, magrinhas, obesas, asiáticas, africanas, interacial, brinquedos, consolos, lesbianismo, ménage, coprofilia, hipoxifilia, feitiche com a boca, as orelhas, as virilhas, sexo com comida, sexo com porcaria, gente se mijando e se cagando e vomitando, simulações de estupro, estupros pseudo-reais, filmes de sexo com anões, com aleijados, albinos, pessoas com gigantismo, filmes de sexo com animais, com porcos, cachorros, cavalos, suruba de pessoas e animais, filmes de sexo em lugares públicos, gente fudendo nos pontos turísticos do mundo inteiro, esses são os que acho melhores, a galera trepando meio dia, na hora que ta passando um monte de gente, na frente do palácio da rainha, do big beng, da torre eifel, do kremlim, da casa branca, na muralha da china, além de gente se comendo no meio da selva, caindo de pára-quedas, fazendo mergulho submarino, gente trepando no trabalho, trocentos vídeos caseiros de gente trepando no elevador, no carro, na festinha de aniversário, no tribunal no meio de um julgamento, durante uma missa – juro! -, filmes pornôs evangélicos, pornografia judaica, hindu, muçulmana, vídeos de celebridades trepando, atrizes de holywood, políticos, alunos se comendo na sala de aula, professor comendo aluno, tudo de verdade, e tem os óleos, os cremes, vaselinas, manteigas especiais pra comer o cuzinho e ficar chupando, sem colesterol, calcinha comestível, lengerie de todas as marcas, dos melhores costureiros, sapatos de salto, cinta-ligas, roupa de coelhinha, de enfermeira, colegial, bombeiro, encanador, mecânico, afrodisíacos, especiarias do oriente e da áfrica que juram que faz subir o pinto, a gente tem uma parceria com uma produtora de eventos ligados ao universo da pornografia e volta e meia rolam uns eventos.... Samanta, você botou silicone no peito?”

A egolatra só repara agora.

“Botei.”

“Quanto?”

“Trezentos mililitros em cada.”

“Nossa, tão lindos!”

“É, né?”

“Parece que já nasceu com eles.”

“É, me falaram.”

“Mas aí essa empresa de eventos, eles fazem umas surubas, gerenciam umas casas de suingue, de troca-de -casais, fui uma vez e é caríssimo, cobram quinze libras numa cerveja,”

“Nina, você lembra do miro?”

“Miro?”

“É, um polonês. Que tava naquela festa na Blackmore Street, daquela amiga da sua outra amiga, lembra?”

“Um que tem uma tatuagem do ac/dc no braço?”

“É! Sabe alguma coisa dele?”

“Não. Mas essa amiga do miro, a carol (kérrwol), ela foi uma vez na loja e disse: quero comprar uma coisa legal pro meu namorado. Aí - ”


Nada daquilo me interessava. Achava um saco esse papo de pornografia. Quando miro fosse meu marido, não deixaria ele ver esse filmes. Não mesmo. Falta de educação, de respeito, falta de consideração, caralho. Vou ser sua esposa, seu polonês de merda, e comigo a coisa vai funcionar do meu jeito, vai ver pornografia na casa do caralho, ficar batendo punheta pra essas putas malditas, essas vacas que ficam arregaçando o cu na frente da câmera, você é um pai-de-família e se dê o respeito, não é por moralismo nem por nada, você sabe muito bem que sou satanista, mas a família é sagrada, a gente é uma coisa única e mística, nossa família, eu, você e nossos filhos, e sua porra o senhor trate de guardar que é só minha, quero tudo na minha boca e no meu rabo e na minha boceta, o senhor ta proibido de bater punheta, ah, tá achando que sou louca?, você não viu nada, se te pegar batendo punheta por aí corto o seu saco, pego as bolas e enfio no teu rabo, meu deus, já to tendo uma crise conjugal e ainda nem achei a pobre da criatura, olha essa cidade, Samanta, ah que ponte bonitinha, que soldados engraçados, uma volta pelo centro e pelo palácio, ó, o big beng, pombas sujas na praça como em todo lugar do mundo, a quem eu to enganando?, vou procurar e achar essa porra desse polonês agora.


Não foi tão difícil. Londres é uma cidade com dez milhões de pessoas, mas eu sou obstinada e estou no cio.

Foi no terceiro dia. Nesse meio tempo agilizei uns assuntos de ordem prática e comprei meu celular internacional, comprei umas roupas e uns vestidinhos lindos, todos decotados, joguei minha roupas velhas no lixo, fiz uma cópia da chave da casa da nina, etc etc. Na tarde do dia em que o encontrei fui até a embaixada da polônia, que era linda. Me deixaram zanzar lá dentro. Vi quadros de arte polonesa. Peguei uns panfletos, enfiei na bolsa e li todos, sentada num banquinho do Doninghton Park, comendo meu lanchinho de peixe com batata, na inglaterra como os ingleses, afinal. Pelo pouco que fiquei sabendo era um país fascinante. Era uma nova república, que tentava se recuperar dos anos de chumbo quando não passava de um satélite soviético. Seu relevo era quase todo de terras baixas, com duas cadeias montanhosas, os carpatos e os sudetos. Os rios mais importantes: vístula, oder e wadra. Clima suave e temperado, embora nos verões as grandes tempestades fossem freqüentes. Grande produtora de batata e beterraba. Dezesseis províncias. Faz fronteira com alemanha, republica tcheca, bielorussia, eslováquia, ucrânia e lituânia. Banhada pelo mar báltico. Forte na fabricação de aço e construção naval. Mineração: gás natural, carvão, cobre, ouro, prata e enxofre. Indústria: maquinas elétricas, automóveis, química, alimentos e bebida. Renda per capita: média de quinze mil dólares. Mais ou menos quarenta milhões de pessoas. Capital: varsóvia. Entre os polacos mais famosos destacam-se o astrônomo copérnico, o compositor chopin, os cineastas romam polansky e krzysztof kieslowsi – ah, daquela trilogia chatíssima! – e o papa joão paulo segundo.


Mas foi lendo um pouco sobre a história da polônia que comecei a me sentir enojada, revoltava, e larguei de lado o lanche. Impossível comer diante de tais atrocidades. Quando deus espalhou as tribos sobre a terra, fez questão de ser cruel com os polacos. Pobre polacos, açoitados, violentados, estraçalhados ao longo da história, um destino tão sinistro pra um povo tão trabalhador e inventivo, uma baita duma sacanagem. A polônia era o jó bíblico transfigurado em forma de país. Gerações e gerações de pessoas esmagadas pelo jugo dos impérios, um joguete nos planos dos imperadores e dos piores conquistadores. O povo polaco, puro como era, ou como eu supunha que fosse, suportou com estoicismo e abnegação todas essas invasões. A polônia é como uma virgem pelada no meio de um garimpo. Um pintinho no preso numa jaula com leões famintos. Porta de entrada na europa pra todas as levas de bárbaros que vem das estepes asiáticas. Sucumbiu aos mongóis, guerreiros ferozes, impiedosos, que se divertiam chacinando mulheres, velhos e crianças. Sucumbiu também aos suecos. Mais pedrada. Sempre foi saco de pancada dos russos. Quando os nobres da russia czarista estavam entediados, o que eles faziam? Invadiam a polônia. Mais sarrafo. Milhões de pessoas massacradas por capricho. A mãe russia, com seu delírio de grandeza, sempre escolhia a polônia e seus vizinhos – mas sempre e mais especificamente a polônia – pra descer o sarrafo. Quando napoleão, devidamente ungido pelos altos e belos ideais da revolução francesa, decidiu levar a boa-nova ao leste europeu, qual foi o primeiro país escolhido? A polônia. Mais cacetada. Mais sangue, guerra, destruição, famílias destroçadas, órfãos, viúvas, viúvos, pobre polacos perdidos, sem nada a não ser a grande família polonesa. Acham que foi só isso? A pior parte vem agora. Hitler era um sujeito com umas idéias excêntricas, tipo exterminar populações inteiras, e quando resolveu botar em prática o saudável passatempo, qual foi o povo que escolheu primeiro? Os pobres dos poloneses. Antes de querer acabar com os judeus, os negros, os ciganos, antes de qualquer coisa, a primeira e mais obvia coisa a se fazer era retalhar a polônia e os poloneses. As piores atrocidades da guerra aconteceram lá. Se os polonses estavam liquidados, imagine então os judeus poloneses. Não sei foi minha tpm, se um pico de hormônio, ou se o fato, aliás provável, de eu estar perdidamente apaixonada por um polonês, se um distúrbio da digestão do peixe com batatas, junto com minha aclimatação ao fuso horário europeu, mas o fato é que chorei lendo sobre a historia do gueto de varsóvia, claro que já tinha ouvido falar a respeito nas aulas de história do colégio, mas era como se então estivessem falando de massacres em vênus ou numa lua de júpiter, até porque se você for ficar toda melindrada com cada massacre que citam nas aulas de história provavelmente ficaria catatônica antes da quinta serie, mas naquela hora, sentada naquele banquinho do d. park, li com sofreguidão a história do gueto onde houve um levante de judeus durante a segunda guerra, e fiquei chocada com a violência com que foram massacrados, mais sarrafo, mais sarrafo, poloneses sendo executados no meio da rua, poloneses servindo de alvo pra nazistas entediados que ficavam treinando a mira dos fuzis atirando nos pobre dos poloneses que passavam na rua, poloneses executados ao acaso, por capricho, de brincadeira. E antes fosse só isso. Quando o exército russo marchou sobre as hordas nazistas, onde foi que estacionou pra tomar um lanchinho? Na polônia. E tome mais massacre de poloneses. A polônia foi um satélite da união soviética por décadas. E sempre sofreu: teve seus intelectuais mortos, exilados ou desaparecidos, seu povo vigiado pelo sistema de espionagem do partido comunista.

Lendo, descobri um pouco mais sobre a origem desse povo tão nobre que agora, sem duvida, eu amava incondicionalmente. No inicio de tudo, havia uma gota de pureza. Como a gota de esperma de miro, que me faria definitivamente parte da grande família polonesa. Foi no século X, quando subiu ao poder a dinastia Piast. As inúmeras tribos que viviam por ali – silesianos, vistulianos, pomeranos e mazovianos, entre outros – resolveram por de lado as diferenças e imaginar a construção de algo maior, imaterial, platônico e inquebrantável: a polônia. Perceberam que só unidos poderiam continuar existindo enquanto raça, povo, etnia, país: o surgimento da polônia era prova de maturidade espiritual e política. O nome polônia – que vem de polska – tem origem na tribo dos polanos, que significa “pessoas que cultivam a terra”, derivado de pole, que significa “campo.” Apesar de produzir navios, papas, compositores e cineastas, a polonia é antes de qualquer coisa um país de vocação agrária, uma terra de gente simples, humilde, correta, ligada umbilicalmente àquele torrão de terra, aquele lugar do mundo, o lugar dos polacos, apesar de cobiçado por todos. E a união da grande polônia, como dizia o panfleto, ocorreu portanto no século X, sob benção de um rei: seu nome era Mieszko. Mieszko. Um nome lindo, que me pareceu evocar qualidade felinas. Sim, reparando bem a gente percebia como os poloneses eram bonitos e elegantes. Todos os povos da europa tinham lá suas qualidades, mas no leste é que ficavam os mais bonitos. O porte do leste europeu. A beleza iridescente dos eslavos, croatas, sérvios, russos e, principalmente, polacos. As mulheres particularmente, por mais que me doesse admitir, e que já me despertasse pontadas lancinantes de ciúmes, será que miro tinha uma namorada que o esperava na polônia?, melhor nem pensar nessas coisas. Nunca tinha parado pra reparar, mas era verdade: nos filmes, nos desfiles de moda, sempre que aparecia uma mulher do leste europeu, a gente já via a diferença, mulheres longilíneas, altas, de pescoços grandes, brancos e suculentos, pernas imensas, leitosas, narizes desenhados à mão pelos deuses da simetria, olhos profundos e magnéticos, como eram bonitas as filhas da puta, será que miro ia reparar numa pobre de uma brasileira?, se bem que eu era peituda, e meu peito era a coisa mais linda do mundo, e ele não era idiota, ou pelo menos eu esperava que não. Mas o fato é que comecei a imaginar como seria aquele primeiro rei da polônia, o patriarca da raça, o lendário Mieszko I. No ano sagrado de 966 ele casou-se com a princesa checa Sobrawa e aceitou o batismo. Começa então a cristianização e latinização da polônia. Desde então, ela passou a ter uma alma, uma identidade, uma impressão digital. Recebendo influências de todos os lados, do oriente médio, da ásia, no epicentro do mundo. Os poloneses, tão cosmopolitas, não deixaram nunca de saber exatamente quem eram e quais suas origens: elas remontavam a Mieszko. Todo polonês o tinha no sangue, no dna, todos eram de certa forma nobres: os nobres poloneses, como eu os amava, como ansiava me tornar um deles. Miro carregava dentro de si uma gota do sangue de Mieszko. Era também um nobre. Agora eu via tudo com uma clareza absoluta. O povo polonês sobreviveu por eras e eras sendo massacrado, pisado e humilhado. Mas sobreviveu, e por um bom motivo. Haveria uma nova dinastia, e eu seria a princesa Sobrawa do século XXI, unindo o sangue polonês ao sangue brasileiro.

Como sempre, vi tudo isso numa espécie de sonho-delírio-devaneio. Estava entardecendo, depois de ler os panfletos, ouvindo música – led – no fone de ouvido, querendo cochilar, vendo as pessoas que andavam de um lado pro outro, os casais, as crianças. Como era bom estar em londres. Começou a esfriar. Tirei meu casaco da bolsa e vesti. Que quentinho. Imaginei miro me abraçando. Vi sua tatuagem do ac/dc. Era uma tatuagem linda, que fazia referência a uma banda boa e simples, como ele.

Eu o vi chegando. Vinha colonizar o continente americano através do meu útero. Com sua pica imensa, seu esperma sagrado que remontava ao grande rei Mieszko, ele abria minhas pernas e me encharcava de sêmen polaco. Milhões e milhões de almas reencarnadas e desencarnadas entravam no meu corpo, os espíritos dos gigantes que habitavam a polônia, deuses, arquétipos, heróis, um carrilhão de almas, gerações e gerações, séculos e mais séculos de história, milênios. A polônia, tantas vezes invadida, agora me invadia: eu era sua hospedeira. Eu era o passarinho que leva a semente de um continente para o outro, a grande matriarca da nova família polaco-brasileira. Como seríamos lindos. Minha família. Meu marido, meus filhos, uma penca, polaquinhos tropicais. Sim, teríamos uma casa linda, linda. Já imaginava tudo. Seria num balneário paradisíaco, como angra, perto da casa de famosos, poderosos e milionários. Sim, teríamos o nosso iate, nosso jatinho, nossa cobertura em copacabana pras noites que fôssemos esticar no rio, mas seríamos gente simples, honesta, despretensiosa. Miro trabalharia na bolsa de valores, seria um verdadeiro gênio das finanças, prestaria consultorias pra daniel dantas e eike batista sobre como, onde e quando aplicar o dinheiro. Ele próprio ganharia rios de dinheiro, mas isso seria um detalhe, porque a grande riqueza da vida de miro seria sua esposa, sua mulher, eu, euzinha, eu eu eu. É tão bom se sentir amada. Mesmo depois de trinta anos de casados, continuaríamos como um casal de namorados adolescentes. Miro nunca perderia o tesão. Seríamos aqueles casais que se amam pra sempre, cada vez mais, mais mais! Miro! Me dá um beijo! E ele daria. Me come! E ele comeria. Me bota de quatro e me chama de cavala! E ele me botaria de quatro e diria, babando freneticamente sobre o meu quadril: Samanta, sua cavalona, vou enfiar meu vergalho polonês dentro de você agora! E eu diria: mete, mete! Goza em mim, me cobre de porra! e ele me cobriria de porra. Veja bem, ele seria um marido compreensivo e paciente. Faria tudo por mim. Me acordaria todos os dias com beijos no corpo todo. De manhazinha, quando o sol começasse a entrar pela ampla janela do nosso quarto, que daria pro oceano atlântico, de onde volta-e-meia veríamos baleias passando, ele lamberia a sola dos meus pés, beijaria minha bunda, minhas costas, minha nuca. Quando estivéssemos tomando café da manha, eu de camisola, faminta, preparando um suco de laranja, ele já de terno, banho tomado, pronto pra sair pro escritório, me olharia e, fascinado, diria: Samanta, mesmo depois de trinta anos de casado, não consigo deixar de me impressionar com o quanto você é incomensuravelmente gostosa, como os seus peitos são extraordinários, como fica linda com o cabelo desarrumado, a camisola, e nesse momento me tocaria e começaríamos a nos beijar de novo, mas aí apareceriam nossos filhos, todos os sete, ou oito, ou nove, e começaria a gritaria lá em casa, meus polaquinhos, e a alegria seria tanta, tanta.


Naquela noite, rodei sozinha pelas ruas de londres. Sabia que o encontraria. Já tinha acontecido outras vezes, é um talento que tenho, penso que vou encontrar uma pessoa e acaba acontecendo. Nina tinha me dito que na região de East London havia muitos bares freqüentados por checos e poloneses. Na verdade era uma região de imigrantes onde tinha de tudo: argelinos, camaroneses, afegãos e muitos turcos, mas também uma considerável comunidade polaca. Descobri qual era o bar da moda, o mais cheio de madrugada, e fui até lá sozinha. Linda.

Bota e jaqueta de couro, micro-vestido, meia-calça, maquiagem entre o roxo e o vermelho sangue. Londres é uma cidade de muitos espelhos. Sempre que passava na frente de um, me olhava de relance: ajeitava o decote, dava uma conferida no rímel, jogava os cabelos pro lado, fazia biquinho. De modo que entrei nesse barzinho da moda me achando linda, maravilhosa, estratosférica. Sentei no balcão e pedi um drink. Sozinha. Sentia os olhares no meu corpo. Os homens comentando, nossa, olha só aquela gostosa, olha que quadril, olha que peitos. Um alemão bonitinho veio me oferecer uma bebida. Conversei cinco minutos com ele e o dispensei, sempre simpática, alegando que estava esperando alguém. Quem?, ele perguntou. Meu marido, eu disse. Marido? É, meu marido. Deve estar chegando. Seu nome é miro. É polonês. Conhece? Miro? Não. Mas foi um prazer te conhecer.

Duas da manhã, o vi entrar pela porta. Vestia uma jaqueta de couro preta e estava com o cabelo bem maior, até os ombros, cabelos revoltosos, ondulados, de poeta incompreendido, como um rimbaud ou um beethovem. Juro que ele me viu na hora. Nossos olhares se cruzaram instantaneamente. Ele passou em uma mesa, cumprimentou umas pessoas – seus amigos, que logo seriam meus amigos também – e sentou-se no balcão ao meu lado. Por uns bons dois minutos não falamos nada, mas dava pra sentir o ar ficando carregado de tesão, testosterona, estrogênio, magnetismo, eletricidade, telepatia. Sua pele era áspera, dura. A cara angulosa. Muitos pelos. Barba por fazer, no limite da displicência. Como era lindo. As mãos com que segurava o copo de cerveja eram firmes e numa delas havia uma cicatriz que ia do dedão até o punho. Mesmo naquele lugar fechado, com dezenas de pessoas comendo, bebendo e suando, eu senti o cheiro dele, um cheiro de homem, de virilha, de pinto, de saco. O saco dele devia ser lindo. Eu pegaria naquele saco como se fosse O Camafeu Perdido de Zanzibar. Faria cócegas e botaria na boca cada testículo, mordendo um pouquinho, lambendo um pouquinho, fazendo pressão pra que o sêmen se revoltasse lá dentro e chacoalhasse e se multiplicasse. Como foi que começamos a conversar? Foi ele perguntando o que tinha no meu drink? Ou qual era o nome da musica que estava tocando? Ou fui eu que casualmente pedi que ele passasse o canudinho ou o guardanapo? Era tão natural que a gente começasse a conversar, tão óbvio, que essa primeira fase de abordagem e reconhecimento nunca existiu. De repente estávamos conversando sobre os imigrantes africanos, a guerra da bósnia, as jazidas de lithium do afeganistão, os melhores discos do led zepelin, os solos mais antológicos do ac/dc, a tatuagem que ele tinha do ac/dc, o ex-presidiário russo que tinha feito a tatuagem nele, as lembranças hilárias que isso despertava, os bairros de londres, as novas bandas de rock inglês que, na opinião dele, a qual julguei sensata, estavam em franca decadência, e mais um milhão de coisas, e em algum ponto da conversa eu disse que era brasileira e ele: sério?, não parece, você quase não tem sotaque, podia jurar que era uma inglesa ou no máximo uma irlandesa, mas reparando bem havia um sotaquezinho lá no fundo, um sotaque fascinante, e eu: fascinante, como assim? E ele: fascinante, difícil explicar, mas definitivamente fascinante. E assim como começamos a conversar como se a conversa já estivesse se desenrolando há oitenta e nove milênios, de repente estávamos nos beijando sofregamente, beijos molhados, suculentos, eu enfiava minha língua na boca dele, lambia a cara dele, pegava no pau dele, e ele disse no meu ouvido: vamos ali fora, tem um beco pertinho: e eu: vamos vamos vamos.

Fomos de mãos dadas até um beco há dois quarteirões de distância, um beco escuro, úmido, com cheiro de lixo. Mas não importava. Tudo o que sentia era o cheiro dele, que me encostou na parede e enfiou de novo a língua na minha boca, apertou a minha bunda, quadril, as coxas, mas principalmente os peitos, ele pegou, apertou, olhou, babou em cima deles, tirou pra fora do decote e começou a lambê-los, a morder os mamilos, e cada mordida me arrepiava por dentro, e ele dizia: que peitos enormes, Samanta,, como são lindos, grandes, redondos, olha só isso, e eu dizia: eu sei, são pra você, eu te amo, disse desse jeito: eu te amo! Eu te amo! E peguei de jeito no pau dele, enchi a mão, amassei os testículos, abri o zíper, cuspi na não e o masturbei com calma, sem pressa, indo e voltando, fazendo carinho na cabeça, e disse: quer enfiar sua rola entre os meus peitos? Quer que eu chupe ela toda e beba todo a sua porra polonesa? E ele: quero, quero! E foi o que fiz, chupei o filho-da-puta com gosto, depois me virei e sarrei bunda nele, tirei a calcinha e levantei o vestido, nessa hora ele tirou do bolso uma camisinha e quando estava abrindo o pacotinho eu tirei da mão dele e joguei longe e disse: não precisa, vou ser a sua esposa e a mãe dos seus filhos, me enche de porra, me engravida, e ele deu um sorriso meio descrente, meio pensando que-porra-de-doida-é-essa, mas eu não estava doida e sim apaixonada, perdidamente louca de amor abrindo todos os poros do meu corpo pra ele, se você tiver alguma doença, eu disse, eu quero pegar a mesma doença e morrer abraçada contigo, quero definhar e apodrecer contigo, mas sei que você não tem nada – na verdade eu não exatamente verbalizava essas coisas, era mais um carrilhão sôfrego e desconexo de gemidos – porque você descende do grande rei Mieszto I que fundou a polônia e tem no seu sangue a realeza dos grandes da europa, sua porra incandescente vai fecundar o meu corpo, você acha que estou brincando? Acha que estou abrindo meu útero de brincadeira? e nessa hora comecei a apertá-lo, a arranhá-lo, a mordê-lo, e disse: mete! Mete a sua vara polonesa dentro de mim! E ele meteu, uma rola grossa, cabeçuda, cheia de veias, eu com as mãos apoiadas na parede do beco, ele metendo e babando, gemendo, delirando, as tetas balançando, as pernas tremendo, meu deus, acho que vou gozar.





3

Em duas semanas estava morando com ele no quartinho que alugava na Leyton Street. Limpei o lugar, fiz uma bela faxina, decorei tudo do meu jeito, botei quadros de arte contemporânea, flores, comprei pratos e talheres novos. Entrei na vida de miro disposta a não sair nunca mais. Meu homem. Eu fazia questão de satisfazê-lo toda hora, de todo jeito, pra que percebesse como eu era uma mulher incrível e pra que nunca nunca jamais me abandonasse. Todos os dias de manhã eu o acordava com um belo boquete. Lambia todo o saco, botava as bolas na boca, chupava, cuspia, chupava e lambia toda a extensão da rola, a cabeça, até deixá-lo bem excitado e depois montava nele, e nessas horas era dominada por uma força tão sobrenatural e avassaladora que gritava em português coisas que ele não entendia, impropérios e vaticínios como “mete seu polonês filho da puta, enfia esse caralho na minha xoxota brasileira, me encharca de porra seu filho de uma puta, quero ver você me arrebentar por dentro e me deixar em frangalhos, ta vendo essas tetas imensas aqui?, são suas, ta vendo esse rabo aqui?, é seu, tá vendo essas coxas?, tudo seu, tudo seu,” e às vezes ele perguntava em inglês “what the fuck?”, mas depois se acostumou e começou a gemer e a gritar em polonês e era vlotistok pra cá, roskanof pra lá, e os dois berrando, cada um na sua língua, ambos delirando, e ele gozava dentro de mim, tremia todo e desfalecia, mas eu continuava com ele dentro por uns bons dez minutos, dizia fica aqui dentro de mim, fica, não tira não, e depois a gente tomava um café da manhã e eu começava de novo a boliná-lo, na verdade estava toda hora encontrando um jeitinho de pegar na rola dele e enfiar as mãos dentro da calça dele, no cinema, num banco de parque, eu botava alguma coisa como um lenço ou um jornal no colo dele, ia passeando com a mão e segurava o caralho, apertava o saco, cheguei a masturbá-lo no ônibus, no táxi, na casa de amigos enquanto víamos um filme, nas festas eu fazia questão de arrastá-lo pro banheiro e dar uma rapidinha, e de noite em casa montava e gozava uma, duas, três, quatro, cinco vezes, e então ele não agüentava mais, estava com a rola esfacelada, mas ainda assim eu pegava nela e o masturbava uma última vez, às vezes saía só uma mísera gotinha, mas era o suficiente pra mim, e eu bebia, sempre passava a porra dele pela cara, pelos peitos, ficava toda melecada, era uma porra grossa, diferente. Já provei muitos tipos de porra na vida, mas a do miro era especial, era um sêmen espesso, com um cheiro forte, um sêmen com identidade. Não como a porra rala de uns fulanos magrinhos que já conheci, não como a porra azeda dos alcoólatras, não como a porra sem cheiro, sem gosto e sem personalidade dos burocratas, tampouco como a porra meio amarelada dos cocainômanos, não, era uma porra diferente, que eu não cansava de querer. Me dá mais. Não foram poucas as vezes em que disse pra mim: Samanta, acabamos de transar cinco vezes seguidas, não agüento, não adianta, não sobe mais, acabaram-se minhas forças, e eu ia até a cozinha e preparava uma bela canja de galinha ou um sanduíche de filé e dava pra ele comer e depois pegava na rola dele e ela ficava meia-bomba, mas pra mim era o bastante, eu queria exauri-lo, e de repente já era de manhã, tínhamos passado a noite toda trepando, e ele saía pra trabalhar e eu ficava em casa esperando, quando chegava já o recebia com um beijo longo, molhado e suculento, sentava no colo dele, sarrava nele, provocava, e então lá estava ela de novo, a sua linda pica polonesa grande e grossa apontando pro céu e eu enfiava ela dentro de mim de novo e gritava de novo me arrebenta!, me arrebenta!

Mas em pouco tempo fui possuída por um ciúme patológico.

O problema começou com nina. Depois de me mudar da casa dela pra de miro, continuei a vê-la e saíamos peruando por aí de vez em quando pra tomar um chope, fazer compras, ir ao cinema ou simplesmente zanzar pelas ruas de londres. Às vezes encontrávamos uns amigos dela e íamos nuns shows de rock, quase sempre shows horríveis, às vezes miro nos encontrava nessas noitadas e às vezes não, o dia-a-dia dele era completamente imprevisível porque, como fui descobrindo aos poucos, traficar haxixe pra europa não era tão simples quanto parecia e exigia que o atravessador – ele – estivesse sempre à disposição, sempre pronto pra ir até o cais subornar alguém, viajar até Plymouth pra pegar um embrulho com um fulano assim-assado, ir até os inferninhos de Laidon Street e assim por diante, no começo essas indas e vindas misteriosas me pareceram excitantes, como se ele fosse personagem de um filme de espionagem, mas depois fui ficando irritada, pois ele nunca tinha tempo pra mim. E teve um dia em que fomos todos a um pub, um pub infecto que servia um chope horroroso, e nesse dia ele foi até o balcão, pegou dois drinks e veio trazendo muito serelepe até a nossa mesa, atravessou toda a extensão da porra do lugar com um drink em cada mão e quando chegou, adivinha?, deu um dos drinks pra nina, desse jeito, disse “toma, é seu”, e ela “thank you”, a vaca, a dissimulada, e ainda por cima deu um sorrisinho de puta mostrando aqueles dentes amarelos e podres de cheiradora, e miro sorriu de volta e disse “de nada, disponha.”

Fiquei insana. Tomei dois chopes, três margueritas e cinco doses de tequila. Quando ele veio passar o braço em volta do meu ombro como se nada tivesse acontecido comecei a soltar os cachorros, gritei como uma alucinada constrangendo todo mundo dizendo coisas como vai passar a mão nela seu polonês filho da puta, falava meio em português e meio em inglês, consumida que estava pelo ódio, pelo ciúme e pela tequila. Olhava pra nina como se quisesse fuzilá-la. Ela me chamou pra conversar num canto e disse o que é isso Samanta, que chilique é esse, só porque o pobre do miro pegou um drink pra mim, eu que tinha pedido, qual o problema?, e eu qual o problema?, o problema é que você é uma vaca puta galinha cachorra asquerosa maldita. E ela: ah, sou?, e foi ficando valente porque já tinha cheirado umas carreiras no banheiro, eu te dou um teto, te boto na minha casa e é assim que você retribui?, e eu: pra começar que aquilo não é uma casa e sim um chiqueiro e depois que você é uma porra de uma drogada que só pensa em furar o olho das amigas. E foi nessa hora que a gente começou a brigar, o maior barraco no meio do bar, puxando cabelo, arranhando, mordendo, e veio o miro e os amigos poloneses dele e os amigos drogados da nina pra separar a briga e eu já estava toda arrebentada e sangrando, miro me arrastou pra fora e começou a berrar comigo meio em polonês meio em inglês coisas que eu não entendia bem, mas que deviam ser provavelmente do tipo puta que pariu, olha a louca que eu arrumei, a ninfomaníaca maníaco-depressiva com síndrome de perseguição e ciúme doentio, era só o que me faltava, vou te dar uma surra pra ficar esperta, e nessa hora voei pra cima dele pra mordê-lo e arranhá-lo e ele me deu um tapa na cara, um tapa seco e forte bem no meio da cara, ficou vermelho e ardendo por horas, o pior é que não foi ruim, aquilo me excitou e comecei a beijá-lo e lambê-lo, e ele que porra de mulher doida!, e eu sou doida mas te amo, te amo, te amo!

Naquela noite, depois que montei em cima dele e o fiz gozar três vezes dentro de mim, tive um sonho maldito, um desses pesadelos de bêbado que nos arrastam pra um túnel sem fim de desespero: nele, via miro deitado na cama, só de cueca, assistindo um filme pornô. Eu estava acorrentada e olhava o seu corpo bronzeado estirado sobre a cama e enquanto ele via a putaria na televisão sussurrava coisas como vai sasha grey, faz crescer em mim a vontade de viver, vem fazer borbulhar as proteínas, a glicose, os espermatozóides, a frutose e os anticorpos que vão engrossar o líquido seminal, líquido esse que vai ferver junto com as secreções do testículo e da próstata, posso sentir nesse exato momento a porra se formando dentro de mim, é quase como se o sêmen pipocasse dentro do meu saco, sinto cócegas tão gostosas, parece que você é que está chupando, sua safada, to te sacando, com esse jeito de princesinha, de cheerleader, essa pele branquinha e lisinha, esse narizinho arrebitado, na verdade não passa de uma ninfomaníaca, e eu tentava gritar miro, eu também sou safada, também faço sexo anal e tudo mais o que você mandar, mas nada saía da minha boca, nada, minha garganta estava seca, travada, ardendo. Tive vontade de me mutilar, de bater a cabeça na parede. Acordei banhada em suor e gritando e miro disse assustado o que foi?, o que houve?, e comecei a bater nele, espancá-lo com força e com ódio, até que ele me deu outro belo tapa na cara e fiquei mais calma.

Por pouco tempo. Passei a desconfiar de tudo. Quase todos os dias parava na frente do espelho olhando meus peitos e pedia pra que azmodeu me consolasse e dirimisse minhas dúvidas. Ele dizia: “Samanta, o miro é só seu e de ninguém mais, você realmente acha que tendo uma cavala peituda dessa em casa ele vai aprontar alguma na rua? Ele teria coragem de derramar em vão o sêmen dele, que é só seu? Só se fosse louco. Mas não é. É um polonês sério e um empreendedor eficaz. Ainda vai ganhar muito dinheiro pra nossa família.” Mas por que ele não me apresenta pra mãe dele, não me convida pra ir à polônia com ele?, e azmodeu dizia Samanta, você conhece a pobre da criatura há dez semanas, vai acabar assustando o cara.

É, né? Será?

Mas quando o amor é incondicional, um amor puro, concentrado, verdadeiro, a gente não faz loucuras? Eu sinceramente acho que ele está deixando de me amar. Que enjoou dos meus peitos. Quando comentou, naquele dia em que o vi pela primeira vez, que gostava de peitos grandes, talvez estivesse apenas fazendo um comentário prosaico sobre algo que eventualmente o agrada, como por exemplo sanduíche de pernil, mas isso não quer dizer que ele vá querer comer sanduíche de pernil todo dia, não sei, talvez seja interessante você ver uma peituda numa revista, num filme, mas será que não o cansava ver todo dia as mesmas grandes tetas lotadas de silicone?, será que não tinha nenhum tipo de alergia ou rejeição ao material?, quer dizer, no começo ele ficava pegando e chupando por horas e horas, agora já vai lambendo logo é lá em baixo, parece que se entediou com o brinquedo novo, e será que de vez em quando ele não pensa coisas do tipo honestamente já não agüento ver na frente aquele dois melões inflados e artificiais, parece mais um ciborgue de mini-saia, porque veja bem, lá na polônia, que é o lugar das pessoas que semeiam a terra, as mulheres costumam ser magras e ter a silhueta fina, elas geralmente têm seios pequenos, não exatamente pequenos tipo minúsculos, mas seios normais e saudáveis que cabem na palma na mão de um homem, seios que não são inchados, que não parecem ter sido encomendados da fabrica de coelhinhas das playboy, e será que ele não se lembrava com nostalgia das polacas que deixou pra trás, ou quem sabe até mesmo das inglesas, holandesas e africanas que já deve ter comido no seu roteiro multicultural na capital da inglaterra?, será que estava ficando com nojo de mim, de mim?, eu que bebia a sua saliva, a sua porra, o seu sangue. Sim, eu o mordia até sair sangue. No começo ele também parecia ficar mais excitado com isso, agora reclamava que ficava cheio de hematomas e cicatrizes. Sabe quando você compra algo caro que parecia inatingível e que há muito tempo cobiçava?, e depois de um tempo entulha esse algo na dispensa ou no fundo da garagem?, será que eu não era uma dessas tralhas?, eu com meus peitos fiz especialmente pra ele?

Esses pensamentos me consumiam e torturavam, por isso procurei por nina e pedi desculpas esfarrapadas, na verdade ainda estava morrendo de ódio, e sugeri que me desse um pouco de cocaína, e um dia depois do expediente dela no sex shop fomos pra uma balada no East London e cheiramos carreiras que eram verdadeiras taturanas no banheiro, fiquei transloucada, achei que aquilo ia me curar pelo menos por algum tempo do meu ciúme, mas foi justamente o contrário que aconteceu, onde será que miro está agora?, liguei no celular e nada do desgraçado atender, comecei a imaginar que ele estava por aí em alguma balada dando uma rapidinha no banheiro, ou quem sabe em casa assistindo um filme pornô – tinha dito que ia ficar em casa pois estava cansado e não pareceu nada triste ao me ver sair – então resolvi surpreendê-lo, me despedi tropegamente de nina, que soltou os cachorros dizendo coisas como vai me deixar aqui sozinha?, e eu nem liguei. Peguei um táxi e cheguei em casa cafungando, coçando o nariz, frenética, disposta e pegá-lo no flagra. Nessa hora azmodeu me disse: não vai acontecer nada, você vai ver, miro vai estar estirado no sofá vendo futebol na televisão, tomando uma cerveja e comendo uma batata frita, quer ver?, por que desconfia sempre assim dele, por que tem que ser tão insegura? e eu: cala a boca, demônio.


Dei de cara com ele vendo pornografia no computador. Na verdade o surpreendi por trás. Estava usando um grande fone de ouvido. Por isso não me percebeu chegando. Vi qual era o site. Vi que ele tinha abertas, na tela do navegador, mais de dez janelas. Ia navegando por todas. Em cada uma, a degradação era mais absoluta: um monte de gente numa suruba, sexo à três, sexo anal, oral, ninfetas. Meninas de dezoito anos. Ele se masturbava com a mão esquerda e mexia com o mouse na direita. Na escrivaninha tinha um copo dágua do qual às vezes tomava um gole e depois cuspia na rola. Não sei quanto tempo fiquei ali olhando aquilo. Mas de repente comecei a gritar e a berrar e a quebrar tudo. Dava chutes e socos nele, no computador, na janela – me cortei, me rasguei, me fodi. Foi o pior ataque histérico da minha vida, a hora em que eu realmente queria matar alguém. Não gosto nem de lembrar. Fui parar na delegacia, fiz a maior cena na frente dos vizinhos, de todo mundo, ah, azmodeu, azmodeu, meu amigo. Jesus me chicoteie. Vai, bate, eu mereço, sou uma burra, uma histérica, desequilibrada, louca, violenta, insegura, drogada, barraqueira, maldita, maldita de mim, quero que você me espanque, coma meu cu depois enfie uma faca nele. Só porque o amava tanto.

Quatro dia depois – passando um interlúdio na casa de nina, que me perdoara – descobri que estava grávida. Foi um momento de absoluta tranqüilidade, que já esperava. De repente comecei a me sentir uma santa. Sim, fora tudo uma provação: os santos são constantemente tentados, mas resistem. Eu não ia desmoronar. Aquele filho vinha me ensinar a viver, me dar responsabilidade, equilíbrio, disciplina, correção, cabeça no lugar, Samanta, ia ter que parar de usar droga, de beber tanto, de me alimentar só de porcaria, ia cuidar da minha saúde, de mim, do meu corpo, e de miro, que me perdoaria. Aquele filho era o perdão encarnado. Nina me perdoou por tudo o que fiz e disse. Eu perdoei miro inapelavelmente quando o vi, pedi desculpas, fiquei de joelhos, juro. De joelhos no meio do d. park, num fim de tarde, igualzinho nos filmes. Comecei a lembrar de umas coisas da minha família, uns estranhamentos que tive com minha mãe, meu irmão, e compreendi como foram pequenos detalhes insignificantes, na verdade desvios comunicacionais perfeitamente contornáveis por pessoas adultas e dotadas da simples capacidade de perdoar, compreender, tolerar, esquecer. Eu era outra Samanta.


Voltei pra casa de miro. Ligamos pra nossas famílias e contamos tudo, felizes. Fizemos planos e mais planos mirabolantes a respeito do futuro, da vida, de todas as coisas. Eu o amava e ele me amava. Era lindo e de verdade. O esperma dele tinha entrado em mim, finalmente, agora éramos três, uma família, uma família, uma família, eu poderia ficar repetindo a palavra família eternamente, era uma palavra linda, pura, radiante, my family!, eu e a grande pátria polonesa dentro de mim. Comprei roupas de grávida, liguei pra todo mundo no brasil e contei a novidade, rindo, rindo! Minhas amigas diziam: “parabéns, Samanta! Que loucura hein!” E eu: é, QUE LOUCURA MESMO, QUE LOUCURA MARAVILHOSA! E elas “o importante é você estar feliz” e eu POIS EU ESTOU FELIZ, felicíssima, feliz na limite mais extremo da felicidade, feliz até as raias do absurdo, ó que ótimo, elas diziam, e eu: sim, que ótimo.

Tudo graças ao esperma dele. Dei pra adorar miro como se adora um deus, incondicionalmente. Via o pobre do infeliz deitado, vendo tv, e pensava: eis aí uma divindade. Eis aí o homem que me fecundou, que irrigou de bondade e alegria um ventre que há eras ansiava por isso. Tinha visões acachapantes de tão reais sobre o nosso futuro, visões que não eram meras elucubrações despretensiosas, não, visões que iriam de fato se concretizar, profecias, leis escritas nas estrelas e nos oráculos, esclarecimentos visionários sobre a nossa vida, todos verossímeis, todos questão-de-tempo. Eu e miro em nossa casa, em angra. Nossas escapulidas pros festivais de cinema. Viagens repentinas à milão, istambul, turquia e polônia. Era fato, eu teria de aprender a falar polonês, o mínimo pelo menos, pra falar com a família dele (e minha). Iríamos à polônia pelo menos três vezes por ano pra temporadas de duas a três semanas. Eu seria uma meia polaca muito bem adaptada e todos o nossos filhos iriam preservar conosco as raízes polonesas de miro. Seria amicíssima da mãe dele. Quando estivesse num render-vouz ou nalgum tete-a-tete intelectualóide e alguma pseudo citasse a cultura polaca eu a interromperia muito educadamente e corrigiria as generalizações ou as inferências enganosas que tivesse porventura engendrado, pois conheceria a fundo a cultura polonesa, minha cultura afinal de contas, aliás o digo porque ocorre de eu ter seis filhos meio poloneses e ser casada com um polonês que trabalha na bolsa de valores do rio de janeiro representando fundos de investimento do leste europeu que negociam petróleo, gás, carvão e outras traquinagens da industria naval, aliás te contei que ele – miro – tem um veleiro ancorado numa das ilhas gregas do mar egeu?, mês que vem vamos busca-lo, atravessar o atlântico e atracar no cais de nossa casinha – simples mas tão cheia de amor e companheirismo – e a verdade é que tenho uma vida excitante e saborosa e um marido rico e excêntrico e polonês. Claro, ele teria que fazer um curso sobre a bolsa de valores. Teria que estudar. Mas era lindo e tinha inteligência espacial, eu confiava e acreditava nele.


Cinco semanas depois, abortei. Foi uma experiência terrível, esmagadora, que não consegui suportar. Fiquei realmente mal, muito mal, péssima, horrível, destruída, como se um caminhão houvesse me atropelado com rodas cravadas de canivetes envenenados. Entrei em depressão profunda, virei uma pessoa vazia, oca, desolada. Tentava esquecer da cena hedionda no banheiro, o sangue escorrendo pelo piso inteiro, os pedaços estraçalhados del.... não, eu nem consig


Passei a me auto flagelar. Pensava: você é uma suja, Samanta, seu ventre é podre, você tem um útero de bruxa onde borbulha o mercúrio, o enxofre, a vaidade, o pecado – pecadora! Meretriz! Vagabunda! Vaca, vaca imensa, vulgar, com seus peitos enormes e ridículos, pedantes, asquerosos, malditos! Seu jeito, Samanta, é de puta! Tá no seu dna, querida! Você fala, age, gesticula e pensa como uma grande putona danada do rabo largo e da teta grande, não adianta fazer cursinho disso e daquilo, não vem com essa de postura corporal, de praticar meditação, de ir na fonoaudióloga aprender a falar que nem gente e não como um demônio sem calcinha, você é e sempre foi uma prostituta, PROSTITUTA.

Passei um mês inteiro sem sair do apartamento, com as janelas fechadas, as cortinas fechadas, o coração lacrado. Miro tentava me ajudar, em vão. Falando com minha mãe pelo telefone, ela percebeu que eu estava mal e disse que vinha me ver, e eu: mãe, se você vier juro que me mato, pulo de um prédio, só me manda mais dinheiro, juro que vou num médico. Dei meu cartão e crédito a miro e disse que ele podia gastar o que quisesse. Joguei um monte de roupa no lixo e comprei outras pela internet. Cortei o cabelo no banheiro. Pintei a parede da sala e escrevi umas frases sinistras sobre a morte e o desespero. Quando estava trepando com miro, torcia, esmagava e mordia toda a rola dele. De repente, a única coisa que me dava prazer era a dor, a humilhação, o desentendimento. Eu o xingava de tudo, depois passava três dias sem falar com ele. Mordia seus mamilos de repente. Mordia a cadeira, a mesa, a parede. Era particularmente cruel com nina. Por exemplo, marcava um encontro e não aparecia. Ou ficava escondida do outro lado da rua ou em algum lugar e a observava me procurar como uma acéfala. Ligava no meu celular e eu não atendia. Via a coitada pegar o metrô e o ônibus e depois de meia hora ligava a dizia: ei, to aqui, cadê você?, e ela já fui embora, e eu volta!, volta!, e ela voltava e eu desaparecia de novo ou então quando a gente saía eu cuspia no sanduíche dela ou urinava na latinha de cerveja dela quando não estava olhando, inventei histórias sobre ela pra uns amigos em comum que a gente tinha e etc. Todos pra mim eram babacas cretinos, inclusive miro.

Quando estava começando a me curar da minha depressão, fiquei grávida de novo.



4

Sério, foi uma montanha russa. Os hormônios enlouqueceram.



terça-feira, 24 de setembro de 2013

#incomensuravelmentemaravilhosoatelevisao





#DDD


#incomensuravelmentemaravilhosoatelevisao


É tão incomensuravelmente maravilhoso, um troço tão estratosférico, tão além de todos os limites estéticos já imaginados ou sonhados por qualquer ser humano, que amigo, vou te contar, dou graças a deus que exista a televisão. São dez e meia da noite e daqui a pouco a mulher morango vai entrar numa banheira cheia de chantilly para segurar um sujeito de torax de ferro enquanto ele cata moranguinhos escondidos na gosma de açúcar – sacou o uso deliberado da metalinguagem, a referência sutil à Wittgenstein? Não pense que é teoria da conspiração quando dizem que o mainstream da intelligentsia brasileira faz televisão enquanto os antropólogos, os articulistas e os cientistas políticos fazem merda. Merda todos fazem – quando um brasileiro mija, todos mijam, não é isso? – mas há os iludidos. Minha passagem será breve por este planeta e não vou perder tempo lendo as cinqüenta mil laudas de Dostoievsky ou assistindo uma árvore crescer num filme iraniano. Mil vezes me embasbacar com o olhar mefistofélico de um Gugu que canta, reza, dança e sapateia com o Padre Marcelo Rossi, bendiz a glória do senhor, ergue as mãos pro céu como crente fervoroso que é para logo depois anunciar o desfile de gostosas seminuas e na seqüência te oferecer um baita desinfetante – eu agarantio, sempre compro – e chamar os comerciais. Essa fragorosa publicidade que é escola de gente do naipe de um Fernando Meirelles ou um David Fincher. Falando em gostosas seminuas – é disso que falam oitenta e nove por cento do tempo, sinal claríssimo do bom gosto e discernimento – foi no próprio Superpop – que me garante pelas letrinhas embaixo da tela que ta quase chegando hora de ver a mulher moranguinho se lambuzar de chantilly – que há pouco passou um desfile de lingerie apresentado por Ronaldo Esper e ciceroneado pela sempre elegante Luciana Gimenez – e te pergunto, leitor, você já viu, sabe quem é esse cara? Sabe que o grau do potencial dramático e expressividade comunicacional dessa mistura barroca e Bela Lugosi na fase mais sombria e espectral do expressionismo alemão com algo de Silvio Santos meio Frankstein doido de ácido e uma pitada de Caubi Peixoto em pleno transe epilético? O homem tem uma presença de palco marcante e aterradora, é o tipo de homem que se vê e diz: ah, raça humana, você sempre se superando, sempre produzindo um exemplar mais extravagante que o outro. Tenho como qualquer um minhas fantasias escatológicas e apocalíticas, não seria nada mau uma bomba atômica pra dar um safanão nessa raça suja e maldita de vez em quando, mas puta que pariu, aí morriam junto a mulher melancia, a mulher abacate, a mulher samambaia – jesus misericordioso. O universo sempre foi injusto e não sou eu que vou mudar o rumo das coisas, posso no máximo sentar o dedo no controle remoto e mudar de canal pra zapear pelos Mutantes na Record – quem precisa de Jung ou Neil Gaiman? – pelo Curtindo a Noite com Otávio Mesquita, pelo sofá da Hebe, pela Tela Quente, pela – arrrrrrrrrgh – programação da tv cultura com gente de terno e gravata discutindo “o que é o Brasil e a brasilidade?” enquanto o pau ta comendo lá fora – enfim, sou senhor e mestre do meu destino e engulo a porcaria que quiser na medida em que bem entender porque esse é um país livre onde vigora a liberdade de expressão e de pensamento. Deliro quando o Datena diz que bandido tem que ir pro paredão porque tem mesmo, porra!, ou eles tão achando que vão entrar e roubar minha televisão e alegar justiça social? Tem que botar os reaça pra se esgoelar na televisão senão a bandidagem acha que é festa na floresta. Mas falando na mulher Samambaia outro dia vi uma reportagem muito bem feitinha e bem editada no TV Fama – apresentado por Íris Stefanelli e Nelson Rubens – que mostrava esse doce de coco com caramelo simplesmente andado de bicicleta de um lado pro outro ao som do hit Selim dos Raimundos – “eu queria ser o banquinho da bicicleta pra ficar bem no meio das pernas e sentir o seu ânus suar....” E a vanguarda cinematográfica francesa achando que tava fazendo “poesia visual” quando filmava os cavalos selvagens do Magreb. Rá! Faz me rir. E não é por nada mas essa Íris ta com um corpão.

Deve haver algum critério pra contratarem esse fulaninhos que saem da faculdade de comunicação e vão para a tv fazer happenings e entrevistas nos eventos de celebridades, supostamente o “timing”, a capacidade de ser engraçadinhos e espirituosos. Saem na van da emissora o/a repórter engraçadinho, o cinegrafista e o cara que segura o microfone. Eles circulam pelos eventos mais badalados e conversam com fulanos e cicranas do show bizz sobre as frivolidades dessa vida bandida e o que se lê no subtexto, nas entrelinhas e no inconsciente do contexto diegético é mais ou menos tipo “olha olha, por aqui a gostosa do momento, como é que vai esse rabão?”, “balançando de um lado pro outro como uma potranca em convulsão, é isso aí”, “e no carnaval desse ano?, vai mostrar as pregas pra galera ou vai ficar regulando o olho de tandera?”, “balançando de um lado pro o outro como uma potranca em convulsão, é isso aí”, “e a balada? tomando todas?”, “e isso aí, uhhuuuuuuuuuuuu!”, ou então algo como “diga aí gostosão, ta na novela mostrando esse espetáculo da natureza pro Brasil todo, hein?”, “sou foda, o meu lance é horário nobre”, “passando a vara em geral lá no Projac ou a patroa fica de miguelença com a caralhada do maridão?”, “sabe como é, meu lance é ficar sorrindo e mostrando os dentes, que são brancos e perfeitos”, “to vendo aqui o tamanho do seu maxilar, realmente imperioso”, “e podem até achar que é viadagem mas tomo banho de lama polinésia pra desobstruir as bactérias invisíveis que comem as raízes capilares”, “e qual seria assim sua filosofia de vida?”, “basicamente considerar o universo um ponto eqüidistante entre o nada e o absoluto e me arrebatar na grandiloqüência da nossa insignificância perante a vastidão incompreensível”, mas eis que sou violentamente fustigado pela notícia: é agora. Luciana Gimenez chama a mulher moranguinho, que está só de biquíni. Vai começar a prova de caça aos morangos. Massa. Abro uma skol gelada e me espraio no sofá.


“Mermão, aconteceu uma coisa cabulosíssima, sei que você não vai acreditar mas juro por deus e por todas as coisas sagradas do mundo que aconteceu de verdade”, “qual foi?”, “ontem à noite eu tava todo espraiado do sofá assistindo o meu Superpop e então chegou a hora de a Mulher Moranguinho entrar na piscina pra impedir o cara de pegar os morangos e...”, “hã?”, “e eu tava esperando ansioso pra ver a parada, você sabe como sou curioso e eles já tavam anunciando desde cedo que ia rolar esse esquema e eu tinha acabado de abrir uma latinha de Skol e aí de repente, olha só, escuta isso... de repente PÁ, brancão, apaguei”, “hã?”, “sabe uns anos atrás quando teve aquela história do desenho japonês que deixava a molecada catatônica?, acho que era por causa do excesso de luz, uma porra dessa, lembra?, então, aconteceu exatamente a mesma coisa, quando a Mulher Moranguinho entrou na banheira e começou a pegação VRAAAAP, BUM, BAN, CATAPLUM, brancão, só fui acordar hoje de manhã babando no sofá, aí pensei: essa porra ta errada, não ta certo esse troço, aí entrei no Youtube e digitei: Mulher Moranguinho banheira Superpop e já tinham botado lá o vídeo e assim que dei o play: PÁ, brancão de novo, acredita?”, “mentira”, “juro pra você que é verdade, olha lá que é...”

Você tá lendo muito david foster wallace

#naoescrevonaoescrevo





#naoescrevonaoescrevo


Porque o momento de escrever é o mais puro, o mais importante: lá ta toda a sua pureza, vaidade e exibicionismo. É como você tirar sua alma e pendurar no varal no meio da multidão. Quando a pessoa escreve uma lista de compras ou deixa um bilhete tipo “fui na padaria” ela tá fazendo uma coisa mística, tenho certeza disso. E o pior é que não escrevo nada há mais de um ano, to naquela porra daquela fase de bloqueio criativo. Depois daquele último conto que você leu não escrevi mais nada, lembra há quanto tempo foi isso? É talvez porque eu tenha entrado numa espiral tão desconcertante de mutação e auto desconhecimento que tudo o que escrevo no segundo seguinte já não faz mais sentido, as coisas mudam depressa demais. Se sentasse pra escrever hoje meus temas seriam: a asfixia e a ejaculação precoce. O sono picotado, a taquicardia. O pulmão carcomido. Tenho vinte e cinco anos e fumo duas carteiras de cigarro por dia desde os quinze anos. Mas aí eu fico pensando: por exemplo eu tava lá lendo o garcia marquez e refletindo: como é que o cara me consegue escrever uma porra de uma saga de trocentas gerações com mil e setecentos personagens durante quatrocentas páginas mantendo um único estilo? Eu já escrevi como philip toth, como kerouac, como o próprio garcia marquez e até como eu mesmo o eu mesmo sendo a antropofagia desses caras todos e mais uma fagulha que vem de dentro e é totalmente imprevisível e aleatória. Beleza. Não tenho nem quero ter um estilo até os quarenta, um estilo a gente não pode aprender cedo, tem que atirar pra todos os lados até acertar em alguma coisa que valha a pena. Acho que perdi o ritmo, que nunca mais vou voltar a escrever, eu sento e não consigo, não consigo, tudo que eu penso eu despenso um segundo depois, é só descontinuidade, eu sou a cobaia do stuart hall, a prova que o pós modernismo deu certo, eu não tenho pátria nem família nem religião nem ideologia nem time e nem certeza de nada, e ainda tem o revival do brega, ainda tem a britney spears, a indústria cultural chinesa, e tem a internet, e os escritores que publicam na internet além dos escritores que publicam livros, setecentos milhões por anos, no mundo inteiro, livros que fazem referência a outros livros, é muita coisa pra minha cabeça, não entendo nada e apesar de tudo sou um intelectual e um cara letrado, leio mais que a maioria – mas sinceramente eu sou um escritor que vale a pena ser lido, eu leria as coisas que escrevo?, é a pergunta que me faço e aí não escrevo, não escrevo

#nuncaviumvelhotaofeliz






#nuncaviumvelhotaofeliz

Os caras tavam mocados na delegacia da cidadezinha, mas a população gritava: lincha, lincha!, mata, mata! Não lembro exatamente qual foi a barbaridade que fizeram. Eram três bandidos. Acho que entraram numa casa, mataram a família inteira, criança no meio, torturaram, cortaram uns pedaços fora, tocaram fogo, tomaram todo uísque da casa e antes de matar estupraram as mulheres. Algo do tipo. Uma barbaridade bem escrota. No dia seguinte foram pegos pela polícia estadual num sitiozinho acendendo charuto em nota de cem, que nem filme americano. Acho que em circunstâncias normais a polícia já teria apagado os caras ali mesmo, mas já tinha chegado imprensa na cidade, por isso seguraram a onda. De modo que levaram os elementos pra delegacia, mas veio gente de todos os municípios vizinhos pra linchar e fazer justiça. A praça foi ficando lotada. Até que invadiram – não houve lá muita resistência - e os levaram pro centro da praça. Foi tudo filmado. Os linchadores faziam pose na frente da câmera, orgulhosos. Esfolaram os três, quebraram todos os ossos, mas não mataram. Ficou só uma massa de carne, um em cima do outro. Ai veio o grande final. Um velhinho – bem velhinho mesmo, devia ter uns noventa anos, mal conseguia andar – veio se arrastando, devagarzinho, com um litro de querosene na mão. Não conseguia nem levantar o galão e tiveram que ajudá-lo. Depois, tremendo, riscou o fósforo e tacou fogo em cima deles. Nunca vi um velho tão feliz. De repente ele começou a querer dançar. E ria, e ria!, achando uma graça imensa na fogueira

domingo, 14 de julho de 2013

#quecarapósmoderno



Aí eu disse pra Ele: mas o que afinal é o pós moderno? Disse desse jeito. Pena que a música tava tão alta, mas eu disse, senti que tinha que dizer aquilo, tinha que contestá-Lo, porque Ele estava errado e eu certo, era uma questão de justiça e sobriedade. E não só por isso. Queria propor aqui um pequeno alargamento temático e conceitual, se não se importa. Só queria perguntar assim pra Ele: estamos falando aqui dos pós moderno da maneira como o concebiam os pré modernos, os modernos, os contemporâneos, e esse tanto de gente morta? Estamos falando de modernismo artístico, filosófico ou estritamente histórico e cronológico? Saberá Ele que O Bastião da Modernidade – não confundir com modernismo - jazia naquele idílico dia de 1492 quando os árabes foram expulsos da Península Ibérica e retomada a Cristandade, logo na iminência da Descoberta da América, da Reforma Protestante, do advento do Antigo Regime, do Estado Moderno como hoje o conhecemos, fruto de maquinações e de teorias de gente como Montesquieu, Voltaire e o resto dos Iluministas, enfim, dO Capitalismo, da Primeira Multinacional da História, a Cia das Índias Orientais, fundada em 1649, a celebração da idéia de uma empresa de capital aberto, essa engenhosa criação humana. Era essa a modernidade ao qual Ele se referia ou será que eu estava enganado? E quando dizia modernismo fazia referência a coisas como Picasso, Dali, os futuristas e os dadaístas ou já era sob a sombra de um entendimento mais teórico ao estilo Baudrilard, Lacan, Deleuze e esse monte de gente ilegível? Enfim, o que eu gostaria de saber é o que Ele entende por...


Essa discussão foi a respeito do filme do Tarantino?


Exatamente! Não estou dizendo que o filme seja bom, mas o comentário que Ele fez foi raso e mal intencionado, foi de uma estupidez brutal, mas como sou civilizado apenas argumentei e não disse na cara Dele que Ele era burro. A frivolidade com que disse: “Achei muito pós moderno”, desdenhando, como se alguma coisa, só por ser pós moderna, fosse insuficiente. Mas talvez Ele discordasse de mim se eu Lhe dissesse uma ou duas coisas sobre responsabilidade. Também sobre honestidade, decoro, ética e probidade intelectual, essas que coisas que eu respeito embora pague um alto preço por isso. A gente se comunica por algum motivo e creio que devemos pelo menos tentar um entendimento e uma conversa honesta na mesma língua. Acho que Ele falou uma asneira e tava tentando explicar pra Ele, pro bem Dele,


Por que?


Por que o que?


Você tentava explicar pra Ele o seu ponto de vista sobre o que é e o que não é pós moderno?


Ora, por que? E por que não diria nada? Se não concordo! Quer dizer, não é que não concorde, só estava medindo o tamanho burrice Dele pra ver em quais termos a gente podia conversar. É basicamente isso. As palavras existem por algum motivo e elas têm poderes. Uma palavra mal dita, um fato mal interpretado, um conceito erroneamente compreendido, uma informação extraviada, e quais serão as conseqüências? Lavagem Cerebral? E isso é o mínimo. Eu acredito muito no poder das palavras e dos conceitos porque são eles que ajudam a gente a ler e explicar o mundo. Quando uma pessoa por exemplo diz “Jesus”, o que ela está evocando e o que está escondendo? Direita e esquerda por exemplo não querem dizer absolutamente nada, mas felizmente, pelo esforço do nosso intelecto, elas querem, de certa forma, em determinada circunstância, dizer alguma coisa. A palavra quer. É interativa. Isso sim é entretenimento. Mas não é apenas isso. Digamos que o pós modernismo começou depois da segunda guerra mundial, teve um revival nos anos setenta, e depois virou uma coisa totalmente mal compreendida. Estou tentando demonstrar que o universo é um pouso mais complexo do que parece e que exige um esforço da nossa parte. Isso é só um exemplo. Agora pegue uma coisa como Capitalismo, Fascismo, Anarquia. Multiplique por mil e vai começar a entender o tamanho da confusão, vai ver como ainda são inexplorados e escassamente povoados esses Continentes Conceituais

Fred?

Sim.

Sua braguilha tá aberta.

Ah, obrigado. Como eu ia dizendo, pense a respeito do Capitalismo – e nem vou lembrar aqui que também já vi Ele dando opiniões constrangedoramente ingênuas a respeito do tema – e do Marxismo. Pra todos os efeitos Marx foi o cara que “decifrou” o Capitalismo, que matou a charada, que abriu o cofre. Coisas como Materialismo Histórico e Dialético são tomados até pelos seus detratores como coisas de uma realidade imanente e inegável. Que a História Econômica deva a ele o seu quinhão, ótimo. Marx pode até ter compreendido as engrenagens da Revolução Industrial na Inglaterra, mas sabe o que ele diz a respeito da economia oriental? Que lá vigorava o Modo de Produção Asiático. Ótimo, bastante esclarecedor. E não venha me dizer que os orientais não eram capitalistas porque capitalismo é acumulação de capital e todo mundo acumula capital logo todo mundo é capitalista. O cara resume vinte mil anos de história em Modo de Produção Asiático. Na China, entre os aborígenes da Austrália, os nômades da Mongólia, as tribos paquistanesas, desde que o príncipe Sidarta Gautama teve o seu pequeno esclarecimento na floresta, até o Japão Imperial, tudo o que vigorava era o Modo de Produção Asiático. Talvez o Japão fosse um Japão Imperial “modernizado.” Viu como a palavra explica tudo, sem cair no etnocentrismo, porque é auto evidente? Mas será que Ele sabe disso? Mesmo assim Marx é respeitado e debatido e crucificado e tudo o que tem a dizer a respeito da economia oriental é isso. Está percebendo como os conceitos são importantes? Como são frágeis, instáveis, deslizantes, mas ainda assim os únicos que temos?


Fred?


Sim.


Que importância tem a opinião Dele a respeito disso? Será que não é um assunto irrelevante? Que não estava tentando parecer mais inteligente que Ele por pura vaidade?



Mas eu sou mais inteligente do que Ele! Se você vê uma pedra na sua frente diz: “nossa, uma borboleta!” ou ao invés disso pensa: “eis aí uma pedra e é melhor eu me precaver pra não dar uma dedada nela”? Se vê vicejar a ignorância, a corrupção, o desentendimento, a burrice, e não faz nada pra conter ou estancar essas coisas, então é conivente com elas e tão culpado quanto todos os filisteus, os estelionatários, os infectos líderes religiosos, todos eles. Aliás, Ele é crente, não é?


Crente é uma palavra um pouco forte. Vai no culto uma vez ou outra com a mãe, eu acho.


Sabe qual a opinião que tenho das pessoas que se deixam lobotomizar deliberadamente por líderes religiosos? Quer que eu diga o que penso a respeito delas?


Não precisa.


Então. Ele disse que tinha achado o filme do Tarantino muito “pós moderno.” Talvez o Seu pastor tenha sugerido um dia que pessoas pós modernas são promíscuas e imorais e coniventes com a violência e Ele comprou a idéia. Daí a alistar-se numa tropa de choque fascista, regida por algum filho da puta, é um pulo. Esse tipo de gente é altamente influenciável, quase sempre pro lado negro da força, pro mais fácil, mais simples e mais simplista. Saberá Ele algo a respeito das qualidades exprobratórias do conceito que irresponsavelmente usou, das idiossincrasias, dos limites e releituras? Creio que não, sinceramente creio que não.


Hnpf.


E você sabe muito bem o quanto sou discreto nesse ponto, não faço a menor questão de esfregar o meu currículo na cara de ninguém, pelo contrário, me esforço e sou terrivelmente tolerante ao conversar com pessoas sobre coisas que elas ou desconhecem ou não conhecem direito, sou um poço de complacência com néscios e sicofantas que acham que “politeísmo antropozomórfico” é o nome de alguma doença de pele. Vivo num país de iletrados e sei lidar com isso. Se as pessoas desconhecem o passado, se elas não sabem ler e interpretar o presente, o que eu faço com elas? Explico que a mais b é igual a c, não a d, porque é assim que as coisas acontecem, me desculpa se o céu é azul mas não posso fazer nada a respeito. Já conheci pessoalmente praticamente todos os maiores historiadores do brasil, freqüentei Simpósios, Congressos e Mesas Redondas com eles, participo de projetos com eles, o Laurentino Gomes, a Lilia Swartz, me correspondo com eles, escrevemos introduções e orelhas uns pros outros, resenhamos as novidades, celebramos e ressuscitamos autores esquecidos, estamos por dentro do debate. Já emborquei duas garrafas de uísque com Élio Gaspari falando sobre o que é e o que não é pós-moderno, e não chegamos a conclusão nenhuma, aí me vira Aquele sujeito e diz que o filme do Tarantino é meia boca por que é pós moderno. Pra quem?


Se o ponto é que o pós modernismo é uma grande confusão, por que não compreender o pequeno tropeço Dele? Ele apenas se confundiu, ou talvez não tenha pensado tanto no assunto.


Ele se confundiu não, Ele falou merda, e não quero ficar bancando o semiótico porque enquanto a naturalista aponta a realidade o lingüista discute o dedo. Mas convém insistir só mais um pouco: Ele estava errado. Errado. Só isso. E talvez não exatamente por ignorância, mas quem sabe por conta de um dissimulado mau caratismo e uma repugnante preguiça mental? São apenas ilações, talvez maldosas, mas quem disse que sou perfeito? Sabe quando você tem a nítida sensação de que uma pessoa é burra, mas burra mesmo, tipo completamente estúpida mesmo mesmo, de fato e direito, com todas as honras e todo o merecimento? Vai me dizer que nunca teve essa impressão de ninguém? O filme do Tarantino é tão pós moderno quanto eu ou você ou essa mesa, na medida em que tudo – repito, tudo – é pós moderno. Agora, analisando mais perto, com mais cuidado, a gente vai catalogando os elementos e fazendo as conexões e catando as referências.


Fred?


Sim?


Eu gostaria de trocar de assunto. Tem uma coisa que preciso te contar.


Só um minuto. Deixa eu terminar meu raciocínio. A história e os conceitos históricos existem por algum motivo, não é por acaso. Há mal entendidos, claro, mas deve haver, é imperativo que haja alguma continuidade, algum lastro, algum indício. Existe um motivo. Uma causa, uma conseqüência, aliás várias, incontáveis, contraditórias, às vezes pouco evidentes, e isso faz parte do fascínio da coisa, o arcabouço teórico, a erudição, o conhecimento, a inteligência. Calma, que ainda não me vangloriei o suficiente. Há mais. Eu não só li A Crítica da Razão Pura em alemão como encontrei pessoalmente, no saguão marmóreo da Universidade de Oxford, sob a influência mística de séculos de história, historiografia e historiometria, um senhor muito gente fina chamado Eric Hobsbawm, pra mim o homem mais inteligente vivo. Digo e repito que não quero confundir a Grande Obra do Mestre Picasso com a Grande Pica de Aço do Mestre de Obras: ele é apenas um mortal, como eu e você, mas é no fundo um homem iluminado porque tremendamente e assombrosamente inteligente. Eu achava que Hobsbawm já me havia fornecido toda a sua cota de felicidade ao publicar seus livros: li e reli e fichei e resenhei todos, brilhantes, magníficos, estupendos: a trilogia sobre o século XIX, meu deus, a Era das Revoluções, do Capital, dos Impérios! Logo na primeira linha dA Era dos Extremos, quando vai explicar as causas profundas da Primeira Guerra Mundial, e pra isso faz uma referência banal à visita de Miterrand à Sarjevo em plena década de noventa, já depois do Desmoronamento, dA Era de Ouro e da Catástrofe – a Guerra Total, a Carnificina, os duzentos milhões de mortos produzidos por Hitler e Stalin e os incontáveis caudilhos das nossas gloriosas republiquetas. Eu achava que esse homem maravilhoso já tinha elevado meu espírito até o último elétron da estratosfera, antes de entrar no vácuo, no vazio e na incompreensão. Mas não. Eu ainda encontrei, num Congresso, esse homem quase centenário. Miúdo, pequeno, na época devia ter uns noventa anos. Mas no auge da lucidez, te garanto. Tomamos um café, ao pé da escadaria daquele Templo do Conhecimento. Eu me sentia esmagado pela grandeza daquele homem ali na minha frente, ele falando idilicamente sobre o tempo nublado da Inglaterra. Há uma linhagem de historiadores britânicos composta de homens sérios e probos na profissão, gente que pensa e publica livros e artigos, que trabalha na ONU, em embaixadas, em cursos altamente especializados. Por acaso eu citei que trabalho em cursos de pós graduação, que presto consultorias, caríssimas, pra pensar sobre o passado? E sobre como esse mesmo passado se emborca no presente? Lógico que não, porque sou elegante por natureza, humilde e correto por pura intuição. Vamos falar um pouco de intuição.


Fred, eu realmente gostaria de...


Não, faço questão, falemos só um pouquinho de intuição, de coisas que “estão por aí.” Devo de novo admitir que já vi Ele dando opiniões ingênuas a respeito de instituições públicas, por exemplo o Senado, sugerindo que o nosso país, que é ruim, ficaria melhor sem essa casa legislativa. E ao dizer isso Se achava altamente revolucionário, salivando no seu feitiche terrorista. Ele até botaria uma bomba lá dentro. Bem, ocorre que a instituição dO Senado existe, como você muito bem sabe, desde A República Romana. É adotado em praticamente todos os países democráticos – os mais ricos e estáveis, pelo menos – e é provável que haja um motivo pra isso. Outra coisa que se faz desde os tempos do Ulisses e do Minotauro são as Arenas. Arenas pra gladiadores, teatros, todo o tipo de espetáculo. Sobre as Pirâmides e o aparecimento recorrente delas em todos os continentes não vou me alongar: você sabe ou intui que o ser humano faz há milhares de anos coisas como Senados, Arenas, Pirâmides, Cemitérios – e, por fim, Zigurates - por que há algum motivo, alguma gosma junguiana, qualquer forma de mapeamento cognitivo do que se chama impunemente “o inconsciente coletivo.” Pelo amor de deus, não vá achando que ao dizer isso quero eximir de culpa os nossos senadores, ou você não entendeu nada, mas sei que você me compreende porque é meu amigo e porque foi abençoado pela simples faculdade de raciocinar. Devia agradecer todos os dias por isso, é mais raro do que parece.


Fred, eu...


Mas talvez haja uma explicação. Outro dia eu estava relendo uma resenha sobre o Arco Íris da Gravidade e o resenhista, cauteloso na exaltação àquele livro recém lançado e quase incompreensível de setecentas páginas, mas crente que há ali algo de brilhante, escreve: “O Arco Íris da Gravidade é um dos poucos livros de que se possa dizer – sem soar hiperbólico – que é uma obra prima.” Primeiro: saberá Ele, do alto do seu Pedestal do Desconhecimento, à deriva no seu Oceano Particular de Burrice, que, se há uma coisa legitimamente pós moderna, pós moderna dos pés à cabeça com selo de qualidade e de garantia, com nota fiscal e firma reconhecida, é O Arco Íris da Gravidade? Que, mais do que o visual cyberpunk de Blade Runner, que o humor sem sentido do Monty Pyton, que a fama involuntária de imerecida de Paris Hilton, que a selvageria tecnológica do Onze de Setembro, que o último livro de Fredric Jamenson em parceria com Stuart Hall, que a playboy da Fernanda Young e da Marge Simpson, que o último e violento filme de Lars Von Trier, mais do que tudo isso junto e multiplicado, é o Arco Íris da Gravidade que engendra e amplifica todas as características do pós moderno? Anarquia, sátira, irrisão, auto referência. E pense só nisso:


Fred, tenho uma coisa séria pra...


Eu, que conheço e domino os conceitos muito melhor do que Ele, sou muito mais reticente, cuidadoso, responsável ao usá-los. Sim, no fundo estamos falando mesmo de responsabilidade, o tema central de uma geração que pôde cresce sem praticá-la. Ele é um funcionário público extremamente bem pago. Não é?


Tem lá a Sua estabilidade...


Trem da alegria?


Concursado.


Sabe o que penso a respeito de burocratas que fazem um trabalho completamente mecânico e ganham quinze mil reais com isso? Num país onde o salário mínimo é quinhentos reais?


Sinceramente acho que não é hora de fazer proselitismo e aliás eu


Proselitismo? Mas só me deixe terminar: o Arco Íris da Gravidade é realmente o que se poderia chamar – sem, e isso é importante, soar hiperbólico – de uma obra prima? Me defina obra prima.


Algo brilhante, genial, assombroso...


Poderia me dar exemplos? Não vale O Arco Íris da Gravidade.


Bem, na verdade eu...


Viu? Percebe como somos reticentes antes de hiperbólicos? Como somos escrupulosos ao julgar ou determinar algo assim, à queima roupa, sem ponderar? Não Ele, do Seu ponto de vista (Dele) que não é o meu e nunca será. O filme de Tarantino é pós moderno, pois sim. Aliás há bastante tempo tenho reparado que quase tudo Nele é hiperbólico. Seu senso de humor, que pode até contaminar os idiotas... A fartura com que usa a expressão “genial.” Se liga a TV e está passando o programa da Angélica, Ele diz: “genial.” Se pede uma pizza e percebe que veio com borda de catupiry, diz: “genial.” Se ouve uma piada suja que O faz rir decreta, gargalhando, entre golfadas – haverá comportamento mais degradante? – genial. Saberá Ele a definição de “gênio”? O que diria Ele ao cruzar na rua com Eric Hobsbawm?


Talvez Ele apenas tenha outros interesses. Foi ver o filme, achou pós moderno, e pronto. Ninguém precisa ser crítico de cinema como você.


É que me da um certo desamparo. Me esforço tanto pra ser assertivo, cunhar frases com elegância, sarcasmo e exatidão. O prazer pau-durecente de uma oração bem escrita, corretamente formulada, será que sou só eu que sinto isso? A ironia tão ingênua que é quase dissimulada por minha pureza. Mas ao mesmo tempo tão torpe, tão fatalista. Você me conhece profundamente e sabe do que estou falando. Os eufemismos tão discretos, mas tão discretos, que podem passar por hipérboles distorcidas. A precisão quase cirúrgica com que escolho as metáforas, como as meço, peso e desnudo cuidadosamente, as metáforas sub-reptícias, apenas sugeridas, evocadas. E principalmente as ambigüidades: posso muito bem estar dizendo uma coisa e sugerindo outra, se partirmos dessa premissa, e é tão divertido! Não acha? E os solecismos propositais, as redundâncias tão carinhosamente formuladas? “O filme do Tarantino é pós moderno” poderia ser o primeiro termo de um silogismo, um ponto de partida, uma escolha teórica, mas não: é tudo o que ele tem a dizer sobre o assunto, como Marx sobre o Modo de Produção Asiático.


Talvez seja isso. Você percebeu que Ele não é burro, mas hiperbólico, e isso se chama compreensão.


Tudo bem, posso ser compreensivo com uma pessoa hiperbólica, mas deveria haver algum tipo de multa ou punição pra quem sai por aí falando merda impunemente, quem dispara a sua rajada de anacronismos no mundo como os favelados cariocas dão tiros pra cima. Sabia que aquelas balas não se dissolvem na atmosfera, que elas caem em cima das pessoas? Que elas machucam? Você ia querer, por exemplo, que Ele fosse professor de história do seu filho e o ensinasse na aula que pós moderno é isso quando pós moderno é aquilo? Você gostaria que Ele fosse o professor de matemática dele e dissesse que “a soma dos quadrados dos catetos é igual a soma dos sovacos da Medusa”? Gostaria?


Mas Ele não é professor de história. E, sério. Tenho uma coisa pra te contar.


Sim?


Uma coisa que você talvez não goste de ouvir.


Sim?


É bom estar preparado e pensar bem no valor da nossa amizade.


Você tá de sacanagem com a minha cara?


Não.


O que você quer dizer por “pensar bem no valor da nossa amizade”, que papo de doidão é esse? O que você tá sugerindo? Sabe há quantos anos somos amigos?


É por isso mesmo.


Sabe o que poderia destruir nossa amizade? Nada. Nem se você contasse que comeu a minha mãe, que meteu a rola em todas as minhas namoradas, que me roubou dinheiro, que comeu meu cu quando eu estava bêbado e dormindo, que espalhou pela cidade que eu era viado e broxa, nunca, de jeito nenhum, nada poderia afetar nossa amizade. Já me exasperei falando sobre o valor das instituições, você ouviu. Não tolero a igreja católica, mas compreendo que haja uma instituição com dois mil anos de história, com os mesmos valores, mesmo que todos judiciosamente violados. E qual seria a mais antiga das instituições, senão a amizade? Quer que eu te lembre o que passamos juntos? A nossa banda?


Fred,


Os Zigurates da Babilônia? Montamos uma banda de rock, os intrépidos e inequívocos Zigurates. Fizemos dezessete shows e fomos por quase um ano astros do rock.


Foi inesquecível.


Eu, Frederico, o bárbaro meio latino e meio germanizado. Você, Thiago, nossa referência bíblica. E André, a origem grega de tudo, que está na Europa. Há um ano e meio ele está na Europa e quando voltar em que pé você acha que vai estar nossa amizade? Você troca e-mails com ele?


Nunca.


E precisa? Quando ele veio, no final do ano passado, na véspera de Natal, ainda do aeroporto, antes de ligar pra mãe, ele ligou pra quem?


Pra gente.


Isso é uma Confraria e esse tipo de coisa não se dissolve desse jeito. Como assim, “pensar bem no valor da nossa amizade”? Você lembra que fomos um pequeno fenômeno, não lembra? Que saiu uma matéria muito bacaninha na Roling Stones dizendo o quanto a gente era competente, engraçado, uma verdadeira promessa do rock brasileiro, e isso fez bem pro nosso ego, você lembra disso?


...


Lembra que era um texto bom pra caralho? Que dizia que a gente era uma mistura de Tom Zé com Mutantes, quando a gente ainda nem conhecia isso direito? Lembra o que falei a respeito da intuição? A gente tava descobrindo e desbravando o Continente Música: um Power Trio, guitarra, baixo e bateria. Os Zigurates da Babilônia. Eu sei que se eu morresse amanhã a única pessoa que com certeza absoluta iria ao meu enterro é você. E o André. E você sabe que o contrário é verdadeiro. Se eu estiver escalando o Himalaia e ficar sabendo que você morreu, freto um avião e volto na hora. E a gente não faria isso por obrigação moral ou coerção cultural, não, a gente não é tão mesquinho pra isso. A gente conhece o valor das coisas. Por exemplo, voltando a falar Nele...


Porra, de novo?


É que vem a calhar: o que sabe Ele a respeito da palavra “amizade”, por exemplo? Está achando esse diálogo muito socrático?


To, na verdade.


Mas me acompanhe, é rápido: você reparou no tamanho do vocabulário Dele, como é pequeno? Não deve passar de setenta palavras. E quando aprende uma palavra nova, deve usá-la basicamente como um papagaio. Ele é o tipo de homem que se fosse escritor escreveria “oblívio” ao invés de “esquecimento”, faria esse tipo de truque pra impressionar os jumentos. Qual a opinião política razoável que já ouvi Ele dando?


Por que você tá com tanto rancor Dele?


E por que não teria Ele discernimento? Será que é assim tão involuntário? Percebe? Será que Ele não se “esquece” de ser inteligente de vez em quando, porque é mais prático? Me responda com sinceridade: uma situação hipotética: um dia Ele vai à padaria e compra com uma nota de vinte um maço de cigarro de cinco reais


Ele não fuma.


Aí no troco Ele recebe quarenta e cinco, porque a balconista se confundiu, achou que vinte eram cinqüenta, já trabalhou nove horas e é vesga, coitada. Ele entrou com vinte, saiu com um maço de holywood menta – não respeito homem que fuma essa porra com gosto de balinha – e quarenta e cinco legais. O que Ele faz? Por que tenho a vaga impressão que não devolveria, porque é anti-ético, aproveitador, egoísta, irresponsável, irresponsável? Já reparou como as mãos Dele são frias e o jeito dissimulado? É um fura greve. Um fura olho. Um traidor, um tipo de pessoa que fala mal de você pelas costas.


Poderia me emprestar o isqueiro?


Claro. Ele acha que ao imputar o prefixo pós ao conceito de moderno está decifrando alguma coisa, quando na verdade está boiando na Geléia de Maionese. Ele não é alcançado ou sequer ultrapassado pela modernidade, mas a tangencia ao largo, como um zumbi extraviado no tempo, narcotizado pela publicidade, o futebol e a religião. Seus imundos vícios de linguagem. Toda a vez que uma pessoa usasse um pós, um pré, um neo, um pseudo, ela tinha que pagar um pedágio, um imposto. Você quer falar sobre o neolibrerais? Pois eu só falo sobre os liberais e a escola liberal e os teóricos do liberalismo. Excluo e abomino o prefixo, como não tolero o preconceito. Por que criminalizar o racismo e não também o burrismo? “Policia, ele me chamou de pós moderno! É um insulto à minha dignidade! Me sinto ultrajado!” Viu o que Ele fez ao conceito de modernidade? Como cagou em cima, passou um laço e ainda achou bonito ser feio, como se achou inteligente no comentário? Ele, o pós pseudo neo burro?


Acho que tínhamos superado a fase em que O julgávamos burro.


Você viu o filme por acaso?


Vi.


Achou pós moderno?


Em certos aspectos.


Por exemplo?


Na trilha sonora de violões mexicanos que lembra faroeste. Na referência aos filmes de guerra. Na interpretação hiperbólica – ou simplesmente exagerada – de Brad Pitt. Na grande carnificina final.


Então agora toda carnificina é pós moderna?


Eu diria que, se tivesse que definir em uma palavra o pós moderno, diria carnificina.


Por que?


Pelo que a palavra evoca: a matança indiscriminada de gente. O pesadelo de haver uma metralhadora carregada à sua espera, uma bomba plantada no aconchego da sua poltrona, um atentado terrorista na estação de ônibus. E não estou me atendo apenas ao terrorismo político, mas também psicológico. A sensação de saber que há crianças que vão se exterminar a qualquer momento, como acontece toda hora nos estados unidos. O pesadelo de viver numa sociedade pós industrial – posso? – onde os empregos estão acabando, as florestas sumindo, os rios secando, o ódio fomentando e crescendo, enfim, a Nova Ordem Mundial de Caetano Veloso. Posso?


Pode.


Essa sensação de insegurança, de incerteza, de ser um peso despencando no vazio, suponho que seja pós moderno, e é isso uma carnificina. Um monte de gente morta indiscriminadamente, uma celebração sanguinária da violência e do Incorrigível Animal Humano. Se o filme termina com uma grande e bela carnificina – em que um cinema lotado vai pelos ares e as pessoas além de serem explodidas são também metralhadas – pode, quem sabe, talvez, haver nele algo de pós moderno. E o filme é bem violento, pessoa são escapeladas, têm suas cabeças arrebentadas por tacos de basebal, e convenhamos é um filme do Tarantino, e o nome dele parece de comida italiana


Ótimo. Então a violência e a carnificina são os corolários da era pós moderna. Antes disso, as pessoas eram todas boazinhas umas com as outras, o mundo era um lugar fofinho feito de algodão doce habitado por gente fina, elegante e sincera? Nero? Um filantropo. Gengis Khan? Um altruísta. Os faraós egípcios? Legítimos entusiastas da legislação trabalhista, inclusive alguns ajudaram a fundar o petismo. Shaskspeare? Escrevia inocentes sitcons renascentistas pra um publico bem rede globo, bem família. E Sade? Apenas um excêntrico com hábitos pouco higiênicos... como esporrar sífilis nos cus das debutantes e costurá-los...


Fred, eu fiz algo que talvez venha a magoá-lo. Não foi por mal.


De novo essa história? O que você poderia ter feito de tão terrivelmente hediondo? Estou achando que tem a ver com mulher, é isso?


É.


Você fornicou com alguma das minhas ex namoradas. É isso?


É.


Sabe o quanto isso é irrelevante? Sabia que me insulta, dizendo que vou ficar magoado porque deu umas lambidas na Flavinha, na Silvinha ou na Paulinha? Sinceramente será que me conhece?


Na verdade foi com a Sara Vaz.


Ué.


É isso. Só espero que me perdoe.


Mas, como assim? Não, você deve ta se confundindo com a Silvinha. Eu lembro que ela te dava mole. Mas a Sara Vaz.... quando?


Naquela viagem pra Pirinópolis.


Ué. Me conta isso.


Lembra o dia em que ficou com o Baiano jogando sinuca até mais tarde e ela disse que ia dormir na pousada? Então? E outra vez também, na cachoeira. Só isso. Me perdoa?


Você ta trocando as bolas, tu anda fumando muita maconha. Nessa época você ficava com a Renata, lembra? E eu e a Sara Vaz, a gente tava namorando sério. Foi um ano de namoro. Nesses tempos pós modernos é uma pequena eternidade. Conheci a família dela e até ia no shoping com as velhas. Até acredito que você tenha comido ela em outra fase no namoro, mas não nessa época. Era O Auge. Rolava sexo toda hora, ela tava completamente apaixonada, não to me gabando, é verdade. Foi justamente nesse feriado que rolou o dia dos namorados. To lembrando. É, você foi nessa viagem.


Lembra do dia que eu to falando?


Claro! E sabe por que me lembro perfeitamente? Sabe o que ela me deu de presente no dia dos namorados? Esse chapéu que eu estou usando! Esse belo e original chapéu panamá, de veraneio, feito de palhas fortes, com essa fita estilosa no meio. Não fico com cara de Espanhol e de Homem Mediterrânico com ele? Acho que usar chapéus é um hábito elegante que infelizmente foi perdido, acho lindas aquelas fotografias dos anos trinta em que toda a multidão usa chapéu. Não que eu saia usando ele toda hora, mas num samba, num dia de sol! Ele é muito útil, e é bonito. Foi-se o namoro mas ficou o chapéu e sempre achei que foi uma troca justa. A verdade é que gosto desse chapéu. Porra, na fotografia que eu tirei com o Eric Hobsbawm... aos pés das escadaria de Oxford... ao lado daquele colosso de conhecimento e discernimento... não... eu tenho certeza que você tá se confundindo...


Naquele dia você ficou jogando sinuca e eu fui com ela até a porta da pousada. Rolou um beijo, eu entrei, e foi isso.


Mas esse dia... eu comi ela... ela fez um streap tease...


Pois é, aquela ali gostava de dar.


Mmmmmmm....mas voc...............você... não, você tá se confundindo. E na cachoeira? Como é possível? Não entendo


Levei a camisinha dentro da sunga... fomos no mato quinze minutos... você tava nadando...


Levou o que aonde?


Me perdoa?


Isso me parece um pouco premeditado demais, um pouco maquiavélico demais pra ser verdade... você ficou com meu isqueiro?


Aqui. O que você dizia mesmo a respeito do temperamento Dele? Que havia uma certa ambivalência, é isso? E o quão enganado Ele estava a respeito do pós moderno?


Você...


Aqui, deixa que eu acendo pra você. Há toda uma construção teórica que fertiliza o conceito de modernidade e eu gostaria que a gente...


Você...


E Ele.


Hã?


Vamos então xingá-la pra exorcizar logo os ressentimentos? Aquela Rameira Rombuda da Xoxota Larga, aquela Boceta de Esgoto, aquela Filha da Puta Promíscua e Dissimulada... chega? Que me bater? Vai bater Nele? Nela?


Mas...


Mas você tava dissertando sobre o pós moderno...


Sim, o pós moderno...


O conceito engendra uma série de problemáticas, não é? Tanto à nível ontológico quanto epistemológico, ou estou enganado?


Não existe o pós moderno nem nada remotamente parecido com isso... é uma mentira... você acreditou nisso durante esse tempo todo....


Sério?


As fundações do conceito, o cimento das estruturas, a raiz da árvore sintagmática que dá lindas e suculentas mentiras com gosto de pós moderno, tudo mentira, falácia, engodo e confusão... você quer me confundir, certo? Quer me pegar em qualquer deslize, conheço essa tática há mil anos, ela é desonesta... mas você quer mesmo saber por que a modernidade é uma fraude e a pós modernidade uma híper fraude elevada ao quadrado amplificado da fraudulência? Mas... o André também?


O que...


Você sabe... isso...


O André? Não. Que eu saiba. Não, claro que não.


A confusão. O logro. Você quer me desnortear e me dar golpes na garganta, no olho e no saco, você não sabe brincar e é uma criança mimada com histeria edipiana e compulsão pelo terrorismo psicológico, a carnificina mental... não... você e Ele acreditaram o tempo inteiro que eu estava acreditando, que O levei a sério quando me dispus a discutir o conceito de pós moderno, porque isso não existe, é mentira, mentira... A Reconquista da Cristandade? O Cientificismo? O Antigo Regime? O Iluminismo? Por onde começo?


Por onde achar necessário, desde que um dia me perdoe ou me compreenda.


Quem sabe talvez pelo Velho Testamento? Sabe qual o foi o primeiro livro impresso por Gutember, o pai da gráfica moderna? O maior best seller da Reforma Protestante? Já se deu ao trabalho de interpretar o Gênesis, esse Pai Glorioso da Superstição e Patriarcalismo? Já viu como os devotos interpretam a Criação do Universo? Ele vai ao culto, mas terá Ele lido os mandamentos? Não, eu que sou o materialista, que tenho a consciência plena de que vou-virar-rango-de-verme, sei de cor e salteado todos os mandamentos, inclusive aprendi o be-a-ba de hebraico, já li Corão e a Tora, sei tudo de Zoroastrismo, Karma e Hinduísmo. É assim que começa o troço: deus, entediado, resolve criar os mares e as pedras e os periquitos, depois cria e homem e a mulher e diz pra eles ficarem bem longe de um certo negócio, mas claro que diz isso de sacanagem, ele é na verdade um sádico que gosta de ver o martírio e o sofrimento dos outros, aí é claro que eles vão lá e metem o dedo e futucam o tal negócio e se lambuzam e deus chega com cara de bravo e diz “quem é que fez essa merda?” e o homem: “foi ela, foi ela!”, e ela “eu fiz porque sou burra, fui corrompida pela serpente!” e deus paga-lhes um sapo e dá uma humilhada básica e de repente eles agora eles têm o conhecimento das coisas e sabem que devem esconder um do outro a rola e a xota e é aí que começa ruína da nossa ambivalência, uma história no mínimo mal contada mas ilustrativa, por que parte de um pressuposto, que é o engano. Mesmo com a consciência pesada o homem e a mulher fornicam mais um pouco e aí nascem dois belos filhinhos, e o que um irmão faz com o outro? E ainda indicam a bíblia pra crianças. O início é um experimento científico anti ético em que cobaias são torturadas. Há culpa, remorso, uma família disfuncional e, claro, um assassinato. Aí vieram um monte de patriarcas que viveram oitocentos anos – quem precisa de Garcia Márquez? – e são todos sacaneados por deus, que diz coisas altamente maduras como “dê uma machadada na cabeça do seu filho pra provar que me ama.” Tempos depois nasce o filho de uma pomba que multiplica o vinho e elabora parábolas complicadíssimas pra chegar a conclusões como “amem uns aos outros e parem com a filha da putagem, seus putos”, mas perdoa!, perdoa!, eles não sabem o que fazem!, se matam e se escapelam e se trucidam e se torturam, mas não sabem o que fazem!, foram lobotomizados pela Belzebu & Azmodeu Cia Limitada! E depois esse mesmo hippie – sim, um hippie vagabundo que ao invés de trabalhar vai para o deserto meditar!, que lindo! – ressuscita! Os vermes subitamente desaparecem e ele sobe aos céus! É uma alegoria? Uma revolta metafísica contra nossa mortalidade? Não, é uma mentira! As pessoas não ressuscitam, e não importa o quão ardorosamente crente você se imagine, o quão reto e honesto nas suas ações, tampouco importa o tamanho da sinceridade que supostamente aplica ao ato de ajoelhar-se, você é que não será o próximo a passar pela experiência. Nenhuma deidade de humor volátil vai julgar atos nem dirimir pecados. Essas coisas simplesmente não acontecem.


Acha que não sei dessas coisas?


Não importa: não é esse o axioma do pós moderno? Não é esse niilismo barato a própria quintessência da Geração X, a morte das utopias? Já que elas estão todas mortas, que tal um pouco de necrofilia? Que tal exaltar a Ciência, essa maravilhosa maquina de produzir bombas, granadas, metralhadoras, vírus e bombas sujas? Não é o realismo-sujo uma das principais escolas literárias do pós moderno? Vamos sujar um pouco mais a realidade e untar de bosta nossa vil grandiloqüência? O que a modernidade trouxe é a nossa própria extinção e aniquilação, e o que a ciência produz, ao fim e ao cabo, é lixo, zilhões de toneladas de lixo tóxico, radioativo, venenoso. O que fazemos com esse lixo? Enterramos bem de baixo da terra pra que o cheiro de morte e podridão não se espalhe, pra que tenhamos a impressão de que existe um futuro pras próximas gerações. Se ao menos tivéssemos permanecido na idade da pedra, erguendo zigurates e monolitos, morando em cavernas... não consigo... não consigo mais usar esse chapéu...


Não precisa. Vamos queimar esse troço logo?


Eu ali, ao lado de Eric Hobsbawm, com o meu chapéu panamá, aos pés da escadaria de Harvard... essa é minha foto de cabeceira, fica ao lado da cama, todo dia olho pra ela com orgulho... e o chapéu na minha cabeça o tempo inteiro, escondendo o chifre...


Então. Posso queimar?


Vamos primeiro esclarecer um pressuposto. A respeito dessa história sórdida que acaba de mencionar. É provável que você tenha acreditado quando fingi surpresa, porque sou um ótimo ator e sei como ninguém dissimular tudo o que passa aqui dentro. Mas existem duas possibilidades. É tudo uma grande mentira e uma grande brincadeira sua. Ou você, quando contou, imaginava que eu não sabia nada quando desde sempre sabia tudo. É interessante que após todos esses anos você ainda imagine que possa me enganar e me aviltar com esse tipo de coisa.


Nunca quis te aviltar em nada.


E não queria aqui me alongar sobre a corrupção e a amargura que se instalaram como um câncer maligno bem dentro do seu estomago, mas permita, porque somos amigos, afinal. Quer que eu defina um corrupto? “Aquele que age desonestamente em benefício próprio ou de outros.” Conhece alguém desse jeito? E ao mesmo tempo haverá algo mais pós moderno do que um corrupto esclarecido, alguém que conhece os limites de uma pessoa civilizada mas que age como um homicida semi-bárbaro porque é cult, por que é fashion? As drogas, o aborto e você, tudo a ver! Você conversando com Ele sobre a novela do Globo e a rodada do Brasileirão. Você andando com o livro do Deleuze debaixo do braço! Meus Deus! Saberá você que há toda uma geração de descontrucionistas, da qual Deleuze é o maior anti propagandista – porque esses putos não são a favor de nada, nem deles mesmos – que escrevem e reescrevem tomos e coletâneas pra provar que a) tudo é aleatório e imensurável e nada tem a ver com nada e b) nem a frase anterior com a próxima? Será que conquanto pouco e ainda que quase nada você consegue apreender isso? Sinceramente acho tudo muito complexo e relativo, por exemplo você dizendo que Ele é isso e ela fez aquilo. Estamos falando afinal de contas das mesmas pessoas? O que ganharia eu acreditando nos seus boatos e fofocas, mesmo que tivessem três por cento de realidade? Então agora você é da galera que lê e discute Deleuze e Ele acha o filme do Tarantino pós moderno. Queria estar dentro da sua cabeça quando estava lendo aquele livro, só pra fotografar e enquadrar e usar de papel de parede pensamentos do tipo “olha só que tanto de palavras complicadas e frases misteriosas, devo estar ficando mais inteligente lendo isso, de algum jeito, mesmo que não esteja entendendo nada” ou “aqui ele fala de um mundo desterritorializado, deve estar se referindo à internet e ao capitalismo.” Posso? Separei aqui um trecho do livro, um dos mil aforismos que a boneca chama de platôs. Mil! Pra provar que nada tem a ver com nada! Milhões de exemplares vendidos, Congressos e Teses de Doutorado sobre essa merda embrulhada em papel fosforescente! O Rizoma e o Corpo sem Órgãos é o meu pau! Posso? “Deus é uma Lagosta ou uma pinça dupla.” Reflitamos.


Vamos pedir uma pizza?


Vou falar de novo, reflitamos, mastiguemos. “Deus é uma Lagosta ou uma pinça dupla.” Devo advertir que não acredito em deus, que tive esse esclarecimento aos oito anos de idade ao constatar a miséria, a pobreza e a selvageria, porque se deus existisse ele seria um otário irresponsável, mas ele não existe e a culpa é nossa, principalmente sua e dos seus iguais, como Ele. Ainda assim zilhões de teólogos dissertaram sobre as supostas faculdades de uma possível deidade. Não chegaram à conclusa alguma. E O Mártir da Lucidez Gilles Deleuze me diz que deus é uma Lagosta. O que diria Ele sobre isso? E se eu interpretar que deus é uma pizza de brócolis ou uma serra elétrica, posso? A náusea existencialista de Sartre era só o aperitivo. Deve haver algo de muito errado num mundo em que os próprios intelectuais são responsáveis por provocar o caos, a fraude e o desentendimento, quando deveriam fazer exatamente o contrário. Posso enfiar essa Lagosta no seu buraco negro? O sujeito pós moderno se equilibra entre a incerteza e a incerteza, e sempre cai. Ele abre o porta-luvas e dá de cara com o escapamento. É triste que também você tenha se corrompido. Éramos amigos, mas agora você é mais amigo Dele,


Isso não é verdade e nem é muito adulto.


E o que te lembra a palavra adulto, senão adulteração e adultério? Estou soando infantil, achincalhando e conspurcando Os Ilustres Beneméritos do Pós Moderno? Ou estou apenas me agarrando com sofreguidão ao último resquício de sanidade nesse mundo onde as pessoas são seduzidas pela mentira, persuadidas pelos falsos profetas, tentadas pelos amorais aproveitadores da dignidade humana? Vamos construir um silogismo deleuziano? “O filme do Tarantino é pós moderno”, “deus é uma Lagosta”, logo “ostrogodos e visigodos invadiram o império romano.” Digo isso por que você sabe que havia uma unidade e um motivo pra tudo quando existiam os Zigurates da Babilônia, a banda que nunca aconteceu. Fomos um micro banda com micro músicas e um único disco lançado. Antes de eu virar historiador, você advogado e o André cineasta, lembra como eu sempre falava sobre o conceito de micro músicas? Isso sim é pós moderno, mas autêntico, intuído, imaginado. Gravamos um único disco, desaparecemos, mas ainda existimos. Fizemos. Construímos. Inventamos frases musicais e linhas de baixo que são deliciosas. Sempre achei, por exemplo, um mero capricho seu interesse por Stockhausem e música atonal. É Deleuze pros ouvidos. Você achava lindo falar que era influenciado por um compositor russo, mas fazia um pop no limite entre o experimental e o convencional. Como o André, que certa época se apaixonou por Tarkowsky. Vi Solaris com ele e juro que o vi bocejando. Quando acabou o filme, ele disse baixinho: “graças a deus acabou essa porra.” A mesma coisa com filmes do Lars Von Trier. Essa veneração ridícula por uma arte “cerebral” e “difícil.” Essa fascinação bajulatória por doentes mentais europeus que acham lindo uma cena com vinte minutos de estupro. Você acha lindo se sentir agredido? Acha o fino da bossa ir numa instalação de arte e ver mulheres enfiarem crucifixos na xoxota? Se um dia sua mulher chega em casa contado que foi estuprada você diz “analisemos isso à luz dos teóricos pós modernos”? E se acha vanguarda? Pegue o Arco Íris da Gravidade, por exemplo.


Quer escolher a sua metade?


O livro é uma grande brincadeira, que eu mesmo não acho tão engraçada. Um certo fulano desconfia que sua rotina sexual está de alguma forma inexplicável relacionada aos bombardeios no fim da Segunda Guerra Mundial. Pynchon não escolheu esse momento por acaso. É o Marco Zero da Era Atômica, Cibernética e Espacial. Americanos e soviéticos retalham o que sobrou da Alemanha nazista, cooptam cientistas, aliciam dissidentes, subornam espiões e agentes duplos. As multinacionais e o Partido Comunista tomam de assalto o parque industrial alemão – os russos verão seu estado fatiado nos anos noventa, quando os oligarcas e os mafiosos ultra capitalistas vão saquear a carniça do Partidão... espero não estar te entediando com essas pequenas irrupções políticas e históricas... e esse fulano fica paranóico com a coisa, não sabe se o que sente e intui é uma coincidência, se há alguma sinistra corporação por trás de tudo monitorando suas ereções e explosões de endorfina e testosterona. E é imperativo que evoque o pioneiro dessa caralhada, o Estúpido e Senil Cavaleiro Dom Quixote e Suas Aventuras e Enrascadas entre os Quadrúpedes da Península Ibérica. Dom Quixote é celebrado por dez entre dez literatos como o romance fundador da Modernidade por apresentar um anti-herói platônico, mas esse ilustre senhor é no fundo um retardado. Dom Quixote é uma piada de joazinho contada em quinhentas páginas. O sujeito se acha um cavaleiro medieval quando é no fundo um banana e idealiza uma mulher que não existe. Mas isso não é uma interpretação passageira, um pensamento torto de alguém de ressaca, uma impressão momentânea, não... principalmente, não é uma variável... Dom Quixote enterra toda e qualquer possibilidade de ambivalência, é o Adão redimido do conhecimento e do pecado... ele é apenas e tão somente um idiota retardado, um louco... e os loucos são violentos e cagam nas calças, embora você ache que eles escrevam poesia.... a estupidez moderna atualizada de pós moderna... entre um imbecil de fato e um outro que talvez tenha sido imbecilizado reconheço que há uma gradação temática, mas... você tem visto a Luciana?


Luciana? Não. Por que?


Há algo a respeito dela que não tenha me contado?


Dela? Por que haveria?


Rolou algo entre vocês?


Bem... não na verdade... mas o que


Vamos lançar uma hipótese, um simples exercício de pensamento: suponhamos que um dia uma surge um site bem bacana e bem feitinho na internet com o seguinte título: Todos os Podres de Fulano de Castro.com. Lá estão detalhadas, minuciosamente, todas as vezes em que você pagou um mico. Todas as suas brochadas. Depoimentos estarrecedores de mulheres falando o quanto o seu pau é pequeno e quão medíocre você é na cama. Há também comentários de pessoas anônimas falando sobre os seus problemas de sudorese e halitose, sobre como é desagradável ficar ao seu lado num dia quente, o quanto você é fétido e azedo. Há também provas de que certos trechos da sua tese de mestrado são plágios escancarados. O infeliz responsável pelo troço fez realmente um trabalho bem feito: foi atrás de toda a bibliografia citada e transcreveu partes quase idênticas, nas quais você troca por exemplo “o advento da sociologia contemporânea” por “a eclosão da sociologia a partir de um viés contemporâneo”. Agora, raciocine comigo: eu te conheço há um milhão anos. Conheço tudo a seu respeito: família, ex namoradas, colegas de trabalho, conheço todo mundo. Se você morresse hoje, quem seria o primeiro na lista para se tornar o seu biógrafo? Até aí, tudo bem. Agora, responda com sinceridade, mas pense bem antes: pense no valor da nossa amizade. Só por que eu te conheço há trocentos anos, só por que sou um excelente observador e compilador de fraudes intelectuais, só por que você supostamente comeu a Sara Vaz enquanto eu tomava banho de rio, só por isso você por um instante que seja julgaria possível que fosse eu o responsável por criar e alimentar o conteúdo dessa página?


Uhnrffff...


É bom que fique claro uma coisa. Por um instante, pode passar pela sua cabeça o seguinte raciocínio: “essa porra desse Frederico não é meu amigo, nunca foi. Esse cara é na verdade um psicopata perigoso. Sim, lembro exatamente o dia em que ele chutou um mendigo que dormia na rua” lembra? “e percebo agora que sempre me enojou o fascínio que ele tem por livros que tratam de torturas, de envenenamento e esquartejamento de crianças... durante todo esse tempo fui amigo de um psicopata despido de quaisquer valores morais, alguém sequioso de sangue e podridão... e essa mania que ele tem de falar como uma metralhadora, sempre distorcendo argumentos, fazendo ilações maldosas, afim de provocar confusão... por anos achei que era o jeito dele, mas não, a coisa é muito pior... eu no auge da minha inocência achei que ele era meu amigo, mas não.... eu não sou um ser humano capaz de argumentar e de criar réplicas e tréplicas construtivas, não... na verdade eu enquanto cidadão e indivíduo não existo, sou apenas o anexo de uma grande orelha que nem é uma orelha... é só um penico no qual ele despeja vaidade e escatologia...ele fala sem parar, e não se importa e nunca deu a mínima pra minha opinião a respeito das coisas. Me subornou há muitos anos porque precisava de um baterista, e um bom baterista não é fácil de achar... sou uma coisa descartável e desprezível e não ficaria nada surpreso se ele me agredisse ou hostilizasse publicamente e fizesse algo horrendo e hediondo como essa tal página na internet... não... a volúpia destrutiva dele não tem limites... ele mataria a própria mãe e fritaria suculentos bifes com a carne da velha... nunca o vi demonstrando carinho ou afeto por ninguém, por ninguém... ele apenas usa as pessoas e quando elas já de bom grado forneceram o seu quinhão de bondade as joga fora e pisa em cima, como se todo mundo fosse cachorro... sim... quantas vezes já o vi chutando cachorros e gatos pela rua? Quantas vezes o vi exultando ao saber que houve um desastre, um terremoto, que há milhares de desabrigados... e eu durante todo esse tempo achando que fosse uma espécie de extravagância intelectual essa misantropia cuidadosamente esculpida... não... que fosse um capricho e uma constatação curiosa da nossa irracionalidade... mas não, é muito pior... percebo agora que ele é um louco de verdade...” tolero que você pense essas cretinices ao meu respeito, pois elas não são completamente implausíveis, mas você estaria cometendo um erro fundamental....


Não vai comer?


Principalmente estaria me subestimando, porque sou muito melhor que isso. No fundo minha bondade é quase um fardo, mas tenho que carregá-la, tem algo a ver com honra, justiça e equidade, honestamente eu não saberia explicar direito, mas sou bom e reto por natureza. Não faço uma crítica que não seja construtiva, não há um imposto que eu sonegue nem ninguém que por mim tenha em algum momento sido lesado, pode procurar à vontade, não existe. Pra todos os efeitos eu falo que sou ateu, mas há algo no hinduísmo que eu tenho certeza que é verdade, que é o karma, a lei do vai-e-volta, o cancro e o encosto espiritual. Finjo que não acredito, mas tenho um medo do caralho de história de fantasma, de gente morta cujo espírito fica atrelado ao corpo. Quando eu morrer quero sair voando como um passarinho. Acho o perdão a mais a coisa mais nobre do ser humano. Acho mesmo. Quero sair do meu corpo e ir serelepe escorregar nos anéis de saturno, virar uma descarga de luz no buraco negro da criação, me liquefazer na terra... por favor, quero que me prometa que vou ser cremado, que se eu morrer antes você vai jogar minhas cinzas no meio do oceano ou da floresta amazônica num ritual bem ecumênico, charmoso e discreto, com altíssimo grau de compreensão e desapego... seria o fim de um ser humano tão único...


Come.


Lembra quando comecei a colecionar livros sobre tortura? Devo ser o maior especialista brasileiro em tortura, em métodos de aniquilamento do ser humano... há tantas e tão variadas formas de provocar sofrimento. A mutilação genital. Tudo o que se pode fazer com os olhos. A garganta. Graus de asfixia. Métodos de esfarelamento dos ossos. A falência de certos órgãos. Queria ver o Deleuze falar que um corpo não tem órgãos se eu tivesse um bisturi, um maçarico e o fígado dele. Aquele espacinho entre a carne e as unhas. É importante que eu tenha esse conhecimento, que saiba que posso fazer essas coisas, mas que ao fim e ao cabo, no frigir dos ovos, não vou fazê-las porque não é certo, só isso. Simples desse jeito. Já Ele não. Ele julga: é pós moderno. E acabou-se o papo


Porra, de novo!


Ele fez uma crítica, certo? Bem ao estilo dele. Bem, todo mundo tem o direito de ser crítico de cinema.


Exatamente!


Então eu também quero. Você viu o filme, não é? Pra começar, tem longos diálogos. Pessoas hiperativas e desequilibradas como Ele não têm muita paciência pra isso. Não estou defendendo a profundidade da coisa. Tampouco servindo de advogado do Tarantino. O coitado só representa uma legião de cinéfilos que cresceu vendo porcaria na televisão. Pessoas como eu, que compreendem o valor estético da violência, mas não saem por aí dando tapa na orelha dos outros, talvez tirem do filme uma ou duas reflexões sobre o animal humano ou sobre a indústria cultural norte americana. Não Ele: Ele só decreta que é pós moderno.


Ta uma delícia.


Sabia que é desagradável ver você comendo? Sabia disso? Essa boca mole indo e voltando, todo esse queijo esticando e derretendo e se misturando com a sua saliva... qual a diferença entre ver você comendo e cagando na minha frente? Não tem vergonha? Não se acha exposto? Algum historiador já disse que a civilização se fez em cima de uma mesa. Enquanto éramos hominídeos que levavam a carniça pra caverna, tudo estava perfeito. Mas aí fez-se a primeira refeição da história e começou O Primado e a Vigência Irrevogável da Hipocrisia. Mas você não precisa tentar provar pra mim que é inteligente e interessante, se for burro e desagradável. Quer um exemplo? É o meu problema, só sei falar por exemplos. Abomino os conceitos abstratos.


Não sei o que você ganha me agredindo desse jeito.


Você lendo o livro do Deleuze e ele comentando o filme do Tarantino. É o Bacanal do Desentendimento. Não estou te chamando exatamente de burro, longe disso. Mas às vezes você é meio lento. Fica meio que viajando. Falando coisas que se pesadas com um mínimo grau de discernimento... digo... politicamente falando...até o seu lulismo ingênuo...


E você também não é lulista?


Sou lulista pragmático e você lulista iludido...


Nossos votos valem a mesma coisa, não é?


Mas nossos espíritos estão em sintonias diferentes, em outro nível de vibração. Sabe em que pé estamos? Quer saber como Alan Kardec analisaria o desempenho dos nossos espíritos nesse campeonato de pontos corridos em busca da Sabedoria? Quer um instantâneo da coisa? Eu estou fluindo com o rio. O sol esquenta lá em cima. Há passarinhos cantando. O verde da natureza. Quase posso sentir o geladinho da água, os peixinhos brincando entre as minhas pernas. Eu debaixo da cachoeira lavando e torcendo e desinfetando minha alma. Livre. E você, onde anda? Você tá no mato Comendo a Mulher do Seu Amigo, a consciência pesada e emporcalhada, o sentimento de culpa te esmagando, o câncer da traição te corroendo por dentro... você somatizou essa porra e demorou tanto tempo pra me contar que o estrago já ta feito, e é por culpa exclusivamente sua. Só contou agora porque a coisa tinha se tornado insuportável. Quantos pesadelos deve ter tido com essa merda? Quantas vezes me abraçou ou apertou minha mão pensando “eu finjo ser amigo dele, mas sou um crápula.”? Quantas? Agora você é mais amigo Dele porque com Ele não tem que carregar esse fardo,


Sou amigo de quem eu quiser.


Por que é mais fácil! Ele fala que é pos moderno e você acredita! Vocês falam de modo raso sobre coisas profundas e como os dois estão de acordo porque fizeram de antemão o pacto da mediocridade ninguém se sente lesado ou agredido. Quero ver você falar com propriedade sobre os encargos legais que cabem a um mutuário. Me explica como se eu tivesse cinco anos de idade sobre o que cargas dágua falava Witgeinstein. Me diz porque e em qual conjuntura ocorre a deflação. Me dá uma aulinha de física quântica? Sobre a Teoria das Super Cordas ou sobre o Princípio da Incerteza de Heisemberg? Adoro esse assunto. E, cara, os satélites! Me conta tudo sobre eles! Ou então vamos dar um passeio pela tabela periódica? Ou me conta sobre perfuração de petróleo ou as propriedades do silício?


Ele faz origamis.


Hã?


Tá lá sentado e amassa um papelzinho e faz um periquito, uma pirâmide, uma gaivota, um foguete, um monte de coisas....


Ele faz origamis. É muito engraçado isso: como se uma operação completamente banal, sim, completamente banal... como se... ele faz origamis... há uns e outros que ganham zilhões de dólares pra bater embaixadinhas como focas... a celebridade do momento é uma mulher que esmagou uma caixa de cerveja com os peitos gigantescos. A Campeã do Salto Triplo voou mais meio milímetro! Ele faz origamis! Agora é super fashion pendurá-los nos cabelos! Por que você e Ele dedicam tanto tempo a coisas irrelevantes?


Por que não diz essas coisas pra Ele?


Ora!


Vou ligar pra Ele.


Como?


Ó. Ta chamando. Alô. Olá, meu caro, como vai? Beleza? Tem um minutinho pra falar? Ótimo. Então, lembra daquele dia daquela festa quando Você tava conversando com o Fred sobre o filme do Tarantino e ali ele disse “mas o que é o pós moderno”? Lembra? Então. Parece que ele queria te explicar umas coisas sobre o que é exatamente na opinião dele uma coisa pós moderna e também parece que falar sobre o Dom Quixote, O Arco Íris da Gravidade e o Rizoma do Deleuze. É, ele começou com um papo sobre honestidade e probidade intelec... probidade, é, ele falou isso.... papo de doidão, Você conhece ele... pois então, eu imaginei que Você tinha um tempinho mas não esse tempo todo... claro, depois ele te explica direitinho. Ah, Você tá sabendo de sábado na casa da Paulinha? Ótimo, a gente se vê lá então. Abraço.


Você...não acredito que fez isso...to em estado de choque, to paralisado, caralho, como você foi baixo e no limite mais profundo da vileza e da canalhice e da filha da putagem... nunca pensei, nunca imaginei, nunca... você comeu minha mulher e me humilhou na frente Dele e agora Ele vai imaginar que perco o meu precioso tempo sobre a terra pensando Nele e em qual a diferença entre o que Ele entende ou deixa de entender a respeito do pós moderno que é de resto um assunto por si estúpido e indiferente... como se me importasse com o que quer que venha Dele...


E não é verdade?


Não! Não compreende? Eu tava apenas inocentemente ilustrando um assunto, pintando um quadro, falando merda, é isso... vou... vou levar a minha da pizza pra comer em casa. Posso? Por favor, quanto devo? Toma. Sabe? Vou... jantar em casa, vendo televisão. É um momento de rara beleza e aconchego. Eu, a comida e a televisão. É tão civilizado... eu... eu não saberia exatamente traduzir em palavras mas... estou francamente chocado e me sentindo humilhado e estupefato diante da sua monstruosidade a amoralidade, estupefato.... estupidificado.... eu... francamente prefiro comer em casa, eu.... eu... bem, até logo...


Putzgrila, que cara pós moderno.